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Perder, verbo que se conjuga a dois: confira crítica de 'Todas as canções de amor'

Divulgação -
Julio Andrade e Luiza Mariani: amor sintetizado numa fita cassete
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Partindo-se da máxima teatral (de Jean Anouilh, autor de “O viajante sem bagagem”) de que “existe o amor, é claro; mas existe a vida, sua inimiga”, o primeiro (e de delicadíssimo) longa-metragem de ficção dirigido pela produtora Joana Mariani (“Trinta”) bifurca duas paixões em fases distintas (uma agoniza; a outra, viceja) para fazer com muita argúcia uma geopolítica de afetos. Seu objeto não são os quatro personagens que dividem entre os anos 1990 e o dias de hoje e sim um apartamento de uma grande metrópole, pois este serve de casulo a borboletas e a bruxas. Os vetores sociais mudam (o surgimento dos celulares, as privatizações). Os vetores humanos são os mesmos (diferenças de idade, patrulhas de sogras, desatenção), mas o ninho fica lá, refletindo ora o frio da escassez de tolerância, ora o calor de uma troca de promessas recém-começada.

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Julio Andrade e Luiza Mariani: amor sintetizado numa fita cassete (Foto: Divulgação)

O dispositivo de Joana em “Todas as canções de amor” lembra aquele usado por Arnaldo Jabor em “Eu sei que vou te amar” (1986), a diferença é que em vez de mapear os protagonistas por cômodos, ela o faz por músicas. O percurso vai de “Ne me quitte pas” a “Chorando se foi”, lambada do Kaoma. Quem grava as músicas é Clarisse (Luiza Mariani, com aura de Isabelle Adjani, em atuação devastadora) para o músico Daniel (Julio Andrade, na flor de sua máscara trágica), num misto de “tchau!” e de “volta pra mim!”. Clarisse grava seu “bye, bye, baby” num k-7, que, no futuro, cairá nas mãos dos novos moradores, Ana e Chico (Marina Ruy Barbosa, Bruno Gagliasso, afinados e afiados). O k-7 servirá a estes como máquina do tempo, nesta sci-fi à moda Michel Gondry, que veste bem em todos os tamanhos, mais ou menos como “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004). E o brilho de Clarisse vestida apenas de sol numa cena de pura poesia é pra abrir a gira de Joana como cineasta no diapasão da apoteose.

*Roteirista e crítico de cinema

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TODAS AS CANÇÕES DE AMOR: **** (Muito Bom)

Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom