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Festival do Rio: Selvagem e sem melancolia

Depois de muitos altos e baixos na carreira, Matt Dillon ganha seu papel mais controverso em filme de Lars von Trier

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Depois de muitos altos e baixos na carreira, Matt Dillon ganha seu papel mais controverso em filme de Lars von Trier
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Fora toda a polêmica que garimpou para si em Cannes, em projeções com gente desmaiando diante de sua violência explícita, “A casa que Jack construiu” – filme mais esperado do Festival do Rio 2018 - esbanja esmero estético e explora enigmas psicanalíticos que podem deliciar plateias. Mas a cereja deste bolo recheado de sangue por Lars von Trier é o desempenho de Matt Dillon. Com estreia no circuito carioca marcada para 15 de novembro, o novo longa do provocativo diretor ganha sessão de gala neste sábado, às 21h30, no Odeon. Já se cogita lotação esgotada pra esta produção de € 8,7 milhões, rodada na Suécia e na Dinamarca. Todos querem conferir a apoteose do homem que foi objeto do desejo cinéfilo nos anos 1980, quando se lançou pelas mãos de Francis Ford Coppola – em “Rumble fish - O selvagem da motocicleta”, de 1983 - como símbolo de rebeldia juvenil, celebrizando-se no Brasil como fetiche debaixo dos caracóis dos cabelos de Caetano Veloso. Há cerca de 35 anos, o cantor fez do sex appeal de Dillon um estandarte de virilidade – isso até Leonardo DiCaprio tomar seu lugar, em 1998.

“Eu soube dessa história do Caetano, que é um músico incrível, por uma namorada minha ligada à realidade brasileira. Tudo o que posso dizer sobre meu trabalho de ator é que eu nunca desisti: eu tento aprender sempre e aproveitar oportunidades de estar perto de grandes diretores”, disse Dillon ao JORNAL DO BRASIL em Cannes, em maio.

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Depois de muitos altos e baixos na carreira, Matt Dillon ganha seu papel mais controverso em filme de Lars von Trier (Foto: Divulgação)

Em “The house that Jack built”, coube a ele – que hoje tem 54 anos - dar credibilidade aos TOCs e à frieza glacial de um maníaco homicida, encantado pela violência desde criança, que, na idade adulta, diverte-se assassinando mulheres e congelando homens em um freezer. São 155 minutos de crimes escabrosos e trapalhadas relativas à mania de limpeza do assassino vivido por Dillon: numa conversa com um sábio, Virgílio (vivido pelo alemão Bruno Ganz), Jack passa em revista seus feitos mórbidos ao longo de 12 anos de impunidade. É um anti-herói alinhado com o niilismo de Lars von Trier, realizador que caiu em desgraça na Croisette ao fazer piadas antissemitas sobre Hitler no Festival de Cannes de 2011, enquanto lançava “Melancolia”.

“Um dia eu perguntei por que Lars me convidou, oferecendo um protagonismo num projeto de peso, e ele respondeu apenas: ‘Gosto da sua expressão facial. Seu rosto é interessante’. Vou falar mais o quê”, ironiza Dilon, que chegou a ser indicado a um Oscar, em 2006, por sua brilhante atuação em “Crash – No limite”, como um policial racista atormentado pela doença do pai. “Tive nas mãos personagens que desafiam a barreira da tolerância, indefensáveis em seus atos. Mas é necessário separar o joio do trigo. É preciso buscar a humanidade deles. O que Jack faz me arrepia, é imperdoável. Mas há uma doença nele, uma neurose, que merece ser bem explorada”.

Quando a indicação ao Oscar chegou, Dillon andava em baixa, longe dos holofotes. Acabou perdendo a estatueta para George Clooney (laureado por “Syriana”). “Acabei de fazer um filme chamado ‘Taste of honey’, com Nick Nolte. Quando eu comecei, ainda garoto, o galã de que o cinema precisava era um cara intenso como Nolte. Tinha beleza, mas tinha tensão, tinha chama interna”, lembra Dillon, que começou a atuar em 1979.

Aos 18 anos, ele caiu nas graças de Coppola no set de “Vidas sem rumo” (1983), e, dali, foi ser o irmão caçula de Mickey Rourke em “Rumble fish”. O sucesso de seu perfil à la James Dean foi tanto que ele passou duas décadas brilhando na seara dos cults, estrelando “Drugstore cowboy” (1989), “Vida de solteiro” (1992) e “Garotas selvagens” (1998), entre outros. Mas foi perdendo sua aura de “galã sexy atormentado”, deixando de empolgar os estúdios – e há fofocas falando de litros e litros de álcool perdidos em seu sangue. No fim dos anos 1990, Dillon ensaiou uma virada: roubou a cena de Ben Stiller, coadjuvando “Quem vai ficar com Mary?” (1998), protagonizando uma antológica cena de luta contra um cachorro.

“É curioso notar como Lars evita colocar tragédias no histórico de Jack para evitar qualquer justificativa para seus atos. Não há mágoas que o impelem a matar, e sim uma pulsão destruidora, disfarçada sob seus modos tímidos e ingênuos”, define Dillon, que, na tela, brutaliza a personagem de Uma Thurman com uma fúria que chocou Cannes. “O maior desafio no set nem era Lars, famoso por seu jeito autoritário. Eu já tinha ouvido de muitos colegas o quanto ele é, digamos, peculiar. Mas a gente se entendeu. Ele exigiu de mim o horror. O difícil era lidar com essa força destruidora”.

Discreto sobre sua vida pessoal, sobretudo depois que seu namoro com a atriz Cameron Diaz virou assunto da mídia marrom em 1998, Dillon patinou muitas vezes em sua trajetória em direção ao estrelato, atrapalhado entre conflitos pessoais e escolhas profissionais infelizes. Fez TV, em 2015, com M. Night Shyamalan, estrelando a série “Wayward Pines”, mas sem muito estardalhaço. Já cinquentão, após amargar muitos fracassos, papéis secundários em filmes B e uma tentativa infrutífera de se lançar como cineasta (dirigiu “Cidade fantasma”, em 2002), o eterno Rusty James beira a apoteose. Ele dá enfim um salto qualitativo, daqueles de matar astros mais famosos de inveja, graças à perversão de Lars von Trier. “Na vida, é preciso saber lidar com a ansiedade e dosar o perfeccionismo”, diz Dillon.

* Roteirista e crítico de cinema

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SESSÕES

Dom, às 13h40, Estação NET Gávea 5;

Dia 6, às 16h, Estação NET Ipanema 1;

Dia 9, às 15h50, Kinoplex São Luiz

Dia 11, às 16h, Reserva Cultural