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Sob a pressão de um filão autoritário: confira a crítica de 'Bohemian Rhapsody'

Divulgação -
Cena do filme sobre a banda britânica, que surgiu nos anos 1970 no auge do glam rock e alcançou popularidade internacional com o rock de arena
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Trabalhando com o guitarrista Ry Cooder em “Paris, Texas” (1984), Wim Wenders, o diretor de joias como “Buena Vista Social Club” (1999), aprendeu uma lição que virou lema: “O rock’n’roll salva vidas, pois ele mostra o limite entre tédio e vazio existencial”. Poucos longas-metragens traduzem melhor esse ideal analgésico do rock do que “Bohemian rhapsody”, um “filme de autor” com “A”, feito por um realizador sem qualquer laço com o existencialismo de Wenders, mas que, assim como o mestre alemão, enxerga a relação essencial da imagem com outros vertores da arte, como a canção pop. Bryan Singer é seu nome e você o conhece da franquia “X-Men”. Mesmo tendo sido afastado dos sets desta releitura personalíssima dos feitos do grupo Queen, sob acusações, reclamações e gasturas com o astro Rami Malek, Singer deixou sua marca impressa a cada cena, desafiando os cânones da cartilha das cinebiografias para criar seu próprio Freddie Mercury... o Freddie Mercury de sua saudade... portanto, um Freddie vivíssimo e comovente de ver, que arranca o couro do ferramental gestual de Malek.

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Cena do filme sobre a banda britânica, que surgiu nos anos 1970 no auge do glam rock e alcançou popularidade internacional com o rock de arena (Foto: Divulgação)

Desde sua ascensão como cineasta, em 1995, com “Os suspeitos”, Singer – um órfão criado em lar adotivo que cresceu assumindo a causa LGBT como bandeira - lançou-se nas telas como um cronista das artes de enganar, da mentira. “O melhor truque do Diabo foi fazer a Humanidade crer que ele não existe”, dizia Kevin Spacey em seu primeiro sucesso, deixando claro o apreço do cineasta por personagens que fingem ser o que não são, que mascaram a identidade à cata de zonas de conforto. Nada mais coerente do que filmar super-heróis vítimas de preconceito, atormentados pela inadequação, como seu incompreendido “Superman – O Retorno” (2006).

Freddie Mercury – um rockstar gay nascido em Zanzibar, de família zoroastrista, apelidado de paquistanês de modo pejorativo – é o Wolverine desta imersão de Singer na cena roqueira dos anos 1970 e 80. Como o mutante da Marvel, Freddie foi um animal selvagem com o fator de cura da autoregenaração midiática que disfarçava sob uma voz de veludo e um bigode grosso a busca por sua própria essência, conciliando sua herança familiar de fé em Zoroastro com o ímpeto voraz do show business. Isso compensa qualquer deslize factual, sobretudo quando somado ao apuro técnico do fotógrafo Newton Thomas Sigel (de “Drive”) e a uma apoteótica sequência de quase dez minutos do show “Live Aid”: um marco de reconstituição.

No Brasil, o filme será lançado em cópias dubladas, com o ótimo Hugo Bonemer emprestando a voz a Malek.

*Roteirista e crítico de cinema

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BOHEMIAN RHAPSODY: **** (Muito Bom)

Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom