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Roger Waters: Manifesto músico-sensorial e militante (sim)

Deborah Dumar -
Emocionado, o músico britânico acolhe a viúva, a irmã e a filha de Marielle Franco
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Aos 75 anos e com a bagagem de ter sido um dos líderes do Pink Floyd, Roger Waters segue mobilizando multidões com sua mente inquieta e altamente criativa. Letrista, baixista e uma das vozes da lendária e contestadora banda do rock progressivo, ele percorre o mundo com shows que mesclam clássicos floydianos com canções da carreira solo, com um vigoroso ativismo político - um autêntico manifesto musical, sensorial e pictórico em favor da paz e dos direitos humanos. É isso que Waters promete (há anos), cumpre: a total entrega em palco, faça sol ou faça chuva.

E foi debaixo de chuva que o artista apresentou no Maracanã 22 canções, sendo 18 clássicos dos álbuns Meddle” (1971), “Dark side of the moon” (1974), “Wish you were here” (1975), “Animals” (1977) e “The wall” (1979) – o suprassumo da discografia da banda – e quatro de “Is this the life we really want?” (2017) - “Déjà vu”, “The last refugee”, “Picture that” e “Smell the roses” - seu mais novo trabalho.

Macaque in the trees
Emocionado, o músico britânico acolhe a viúva, a irmã e a filha de Marielle Franco (Foto: Deborah Dumar)

Enquanto a banda de apoio, por vezes, soava como um cover nem sempre eficiente do virtuosismo instrumental do Pink Floyd, Waters esbanjava vitalidade. Constantemente, saía da parte coberta do palco para se encharcar do contato com o público que ignorava a chuva para lavar a alma com música.

Salvo em suas novas criações, regeu o público desde os primeiros acordes de “Breathe”, a primeira canção do encorpado setlist. No telão, projeções psicodélicas, líricas ou de protesto proporcionaram experiências visuais que agregavam conteúdo à canções. Em “Smell the roses”, a plateia localizada no gargarejo foi coberta por nuvens de fumaça.

Em “Pigs”, um porco inflável rosa gigante trazia a inscrição “Stay human” (permaneça humano). Era a canção em que mais apareciam menções ao presidente americano Donald Trump que, na concepção do artista, é o personificação política do suíno.

Mas o clímax sensorial foi mesmo em “Eclipse”: a formação do clássico prima cortado por feixes de laser disparados do palco para reproduzir na arena a capa de “Dark side...” Neste momento, todas as divergências políticas da plateia formaram uma só voz e um só encantamento no estádio.

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O prisma e o feixe de luz da capa de "Dark side of the moon" levou os fãs ao êxtase (Foto: Deborah Dumar)

E o lado ativista, que tanto irritou fãs a ponto de despertar ameaças de boicote ao artista? Waters se valeu de um coro de crianças de um projeto social de Vicente de Carvalho, o Centro de Música Jim Capaldi, na explosiva “Another brick in the wall part 2” para iniciar a parte comício, digamos assim, do concerto. Inicialmente encapuzadas e com roupas de prisioneiras, arrancaram as vestes para exibir camisetas com a estampa “Resist”.

Resistência que o levou a tirar o nome de Jair Bolsonaro do rol de lideranças fascistas do polêmico painel do intervalo, mas fez o estádio vir abaixo na homenagem à Marielle Franco. O músico já alertou que esta turnê pode ser a última no Brasil, mas certamente histórica.

Deborah Dumar - O prisma e o feixe de luz da capa de "Dark side of the moon" levou os fãs ao êxtase