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Cronista da juventude sem perspectivas políticas, a diretora francesa leva doçura ao Festival de Londres com Maya

Divulgação -
Tendo o conflito sírio como pano de fundo, "Maya" fala do encontro de um jornalista do front com uma jovem indiana
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LONDRES – Conhecida entre os brasileiro por “O que está por vir”, drama pelo qual conquistou o prêmio de melhor direção na Berlinale em 2016, Mia Hansen-Love é definida pela crítica da França, seu lar, como “a cronista da juventude sem perspectivas” – rótulo que garantiu a ele um espaço nobre na programação do BFI – London Film Festival. No fim de semana, a capital inglesa conferiu seu novo trabalho, “Maya”, no qual os conflitos armados na Síria servem de pano de fundo para uma trama sobre recomeços afetivos. Quem esperava que a diretora de 37 anos pudesse diluir os horrores da guerra em prol das convenções da love story teve uma surpresa boa: sua obra não comporta doçuras e paliativos, abordando de modo abrasivo a maneira como os europeus lidam com a questão dos sírios. Na trama, um jornalista do Velho Mundo deixa o front abalado e vai refazer sua vida nos braços de uma indiana. O longa será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no próximo dia 23.

“Fazer filmes que provoquem reflexão depende do tipo de sintonia e sinceridade com que você se reporta aos jovens, tendo como questão principal a incerteza que todos carregamos em relação ao futuro”, disse Mia ao JORNAL DO BRASIL. “O motor das minhas histórias são as inquietações diante do desconforto moral do mundo. Como levar uma vida burguesa quando há povos sendo dizimados por aí, por culpa de nossas negligências políticas?”.

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Tendo o conflito sírio como pano de fundo, "Maya" fala do encontro de um jornalista do front com uma jovem indiana (Foto: Divulgação)

Em “Maya”, o título é referência à personagem de Aarshi Banerjee, uma habitante de Goa que faz o coração de Gabriel (Roman Kolinka) bater de novo, depois de eventos trágicos que feriram seu corpo e sua alma. Gabriel é um repórter de 30 anos fez fama no jornalismo em cobertura de guerras. Sua passagem por um cativeiro na Síria, por alguns meses, abala sua fé e suas ideologias políticas. “O cinema francês sempre abriu suas lentes para o mundo. Por ser francesa, pertenço a uma nação que tem um dos cinemas mais diversificados do mundo. Em matéria de produção de imagens, a França investe numa variedade de temas, de expressões, de autorias e isso há tempos, o que nos imputa uma responsabilidade política enorme”, disse Maya. “Não sei dizer qual é o meu vínculo com a tradição nem saberia prever que futuro essa diversidade há de apontar, pois a nossa riqueza é o poder de ainda gerar surpresa. Mas tento expressar aquilo que me inquieta, sobretudo a partir das angústias do feminino, da condição da mulher”.

Revelada como realizadora em 2004, com o curta “Après mûre refexion”, Mia virou um ímã de resenhas positivas por sua busca por retratar a desconexão de jovens com as normas da sociedade europeia. Seus trabalhos seguintes, “Adeus, primeiro amor” (2011) e “Éden” (2014), também receberam elogios de entusiasmo efusivo. “Eu filmo com base na confiança de todo mundo no set: o fato de a equipe e o elenco compartilharem das minhas dúvidas sustenta uma história, ajuda na investigação estética da realidade”, disse Mia, que prepara agora um novo drama, “Bergman Island”, sobre um casal de cineastas em visita ao legado do realizador de “Persona” (1966), tendo Mia Wasikowska (de “Alice no País das Maravilhas”) no elenco.

Nesta sexta, o BFI – London Film Festival confere o ganhador do Prêmio da Crítica de Cannes: o drama sul-coreano “Em chamas”, de Lee Chang-dong, representante de seu país na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Consagrado por “Poesia” (2010), o diretor narra a história de um entregador (o ótimo Yoo Ah-In) que reencontra uma amiga do passado, por quem sempre teve uma queda: Hae-mi (Jeon Jong-seo). Mas a moça regressa ao convívio do rapaz acompanhada por um sujeito misterioso, Ben (Steven Yeun), com fetiche por fogo. No sábado, vai conferir uma palestra em Londres sobre o cinema asiático.

“Existem múltiplos cinemas na produção audiovisual asiática de hoje, cada um com uma trilha autoral particular. Eu busco o intimismo, o silêncio”, disse Chang-dong ao JB, em Cannes.

Iniciado há oito dias com a sessão de “As viúvas”, de Steve McQueen, o 62º Festival de Londres termina neste domingo, com a entrega dos prêmios de melhor longa de ficção, melhor longa documental e melhor longa de estreante: os favoritos, respectivamente, são o thriller policial “Destroyer”, com Nicole Kidman; “Teatro de guerra”, com memórias reais do conflito das Ilhas Malvinas sob a ótica argentina; e o drama “Wildlife”, que marca a primeira incursão do ator Paul Dano na direção. A atração de encerramento é “Stan & Ollie”, de Jon S. Baird, sobre os feitos da dupla O Gordo e O Magro, interpretada por John C. Reilly (como Oliver Hardy) e Steve Coogan (como Stan Laurel).

*Roteirista e crítico de cinema