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O thriller El reino, sobre a vingança de um político, vira sensação no BFI London Film Festival, vitrine autoral inglesa

Divulgação -
Um dos atores preferidos de Almodóvar, Antonio de la Torre encarna o político Manoel López Vidal neste thriller que mexeu com o público do BFI
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LONDRES - Centrado numa assombração que insiste em puxar o pé dos brasileiros (e dos europeus), a corrupção, o enervante filme espanhol “El reino”, de Rodrigo Sorogoyen, virou o assunto do BFI London Film Festival, evento já sexagenário (está na 62ª edição) que faz da Inglaterra um fórum audiovisual. Iniciado há dois dias, o evento, com quase 300 títulos, vê a Espanha se firmar como estrela com a saga de um político de índole torta que se cansa da torpeza ética de seus colegas e resolve dar um basta nos esquemas de desvio de verba. O êxito de sua exibição em solo londrino pôs a situação política da nação espanhola para o centro das discussões no Reino Unido, ao mesmo tempo em que levantou a bola do cinema feito na terra natal de Pedro Almodóvar. Um outro título espanhol, “Petra”, de Jaime Rosales - sobre uma jovem em busca do pai -, também caiu em cheio no carinho da critica e do público britânico. Detalhe: o longa de Rosales foi o vencedor do último Cine Ceará, em Fortaleza.

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Um dos atores preferidos de Almodóvar, Antonio de la Torre encarna o político Manoel López Vidal neste thriller que mexeu com o público do BFI (Foto: Divulgação)

“Diante de vários contratempos em nossa realidade e todo o histórico que temos com o cinema autoral, a Espanha está reagindo, nas telas, às questões mais conflituosas do dia a dia, gerando uma nova filmografia que dialoga com a melhor cartilha dos filmes de gênero”, disse Rodrigo Sorogoyen ao JORNAL DO BRASIL, ao exibir seu “El reino” no Festival de San Sebastián, local onde ele fez fama com o thriller policial “Que Dios nos perdone”, revelando uma maestria nas sagas investigativas. “Gosto de traduzir a tensão em movimentos de câmera”.

O maior festival britânico de cinema começou na quarta, com “As viúvas”, thriller de assalto com direção do inglês Steve McQueen (de “12 anos de escravidão”), que vai inaugurar o Festival do Rio no dia 1º de novembro. Foi boa a acolhida ao longa de McQueen - no qual Viola Davis comanda um crime engenhoso -, mas o boca a boca em torno de Sorogoyan está mais quente. “Existe todo um histórico de suspense que herdamos de Hollywood, mas o empenho é aqui é ser universal a partir de toda a particularidade espanhola que cerca a percepção da violência e da lei”, explicou Sorogoyen ao JB.

À frente de seu filme, no papel do político Manuel López-Vidal está um dos xodós de Pedro Almodóvar na atualidade: o ator Antonio de la Torre. Ele hoje está em cartaz no Brasil na pele do líder uruguaio Pepe Mujica em “Uma noite de 12 anos”, um dos longas de melhor boca a boca em solo nacional neste momento. No cult do uruguaio, ele é um exemplo de idealismo.

Aqui em “El reino”, De la Torre mexeu com o brio dos ingleses ao viver uma autoridade governamental esgotada frente ao lodaçal moral em seu país. “Eu tento buscar o que existe de mais específico nos meus personagens em minhas própria vivências, a fim de humanizá-los. E percebo que há um sentimento de resistência em todo mundo que se encontra num cenário de injustiça ou de medo”, diz De la Torre, também presente no elenco de “Que Dios nos perdone”: “O que Sorogoyen me traz, com seu cinema de muito rigor técnico, é a segurança de que eu posso me lançar numa autoinvestigação, numa busca pela verdade”.

Ao largo da boa acolhida ao longa de Sorogoyen, o BFI deu a largada para sua mostra competitiva, com a projeção de um título inglês: “Happy New Year, Colin Burstead”, no qual o diretor Ben Wheatley fala de um conflito familiar entre irmãos. Concorrem ainda este ano no evento as ficções “Pájaros de Verano”, de Cristiana Gallego e Ciro Guerra (Colômbia); “Destroyer”, de Karyn Kusama (EUA); “Lazzaro Felice”, de Alice Rohrwacher (Itália); “In fabric”, de Peter Strickland (Reino Unido); “Shadow”, do mestre Zhang Yimou (China); “Joy”, de Sudabeh Mortezai (Austria); “Tarde para morir joven”, de Dominga Sotomayor (do Chile, mas produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira); “Sunset”, de László Nemes (Hungria); e o badalado “The old man & the gun”, de David Lowery (EUA), que tem Robert Redford, em vias de planos de aposentadoria, como seu protagonista.

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Sorogoyen (com fone de ouvido) conversa no set com De la Torre, Nacho Fresneda e Isabel Peña (Foto: Divulgação)

Nas projeções especiais do festival, fora de concurso, estão “Peterloo”, do inglês Mike Leigh; “Mirai”, animação do japonês Mamoru Hosoda; e o premiado “Museo”, com o galã mexicano Gael García Bernal. Serão projetadas ainda iguarias como o o esperado filme de terror à moda italiana “Suspiria”, de Luca Guadagnino; e a tragédia familiar de temperos turcos “The wild pear tree”, do cultuado Nuri Bilge Ceylan - uma sensação em Cannes.

Sexta é dia de Irmãos Coen, com o faroeste musical em seis episódios “A balada de Buster Scruggs”, que rendeu a eles o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza. Porém, o título mais esperado deste fim de semana de clima ameno em Londres é o documentário de tom piqueteiro “Fahrenheit 11/9”, no qual Michael Moore (de “Tiros em Columbine”) detona Donald Trump.

Para o Brasil, o BFI reservou espaço para filmes como “Um corpo feminino”, de Thais Fernandes; “O clube dos canibais”, de Guto Parente; “Morto não fala”, de Dennison Ramalho; “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”, de Renée Nada Messora e João Salaviza, uma coprodução com Portugal; “This is bate bola”, rodado por Neirin Jones e Ben Holman em favelas do Rio; e “Sueño Florianópolis”, de Ana Katz, produzido por argentinos e brasileiros, tendo Marco Ricca no elenco. Vencedor da Semana da Crítica de Cannes, “Diamantino”, que tem sangue brasileiro em seu organismo português, vai tentar sua sorte na capital inglesa também.

Para encerrar suas atividades, o BFI exibe, no dia 21, o esperado “Stan & Ollie”, com John C. Reilly e Steve Coogan encarnando O Gordo e O Magro, sob a direção de Jon S. Baird, numa comédia dramática baseada nas memórias da dupla que levou gerações às gargalhadas entre o fim dos anos 1920 e 1951. É uma aposta para o Oscar.

*Roteirista e crítico de cinema

Divulgação - Sorogoyen (com fone de ouvido) conversa no set com De la Torre, Nacho Fresneda e Isabel Peña