Prejudicado por uma certa aspereza técnica em seu roteiro, travado em sequências nas quais deveria fluir de maneira azeitada, “Carnívoras” exerce seu fascínio sempre que seus diretores – os belgas Yannick e Jérémie Renier, irmãos, ambos bons atores, estreantes como cineastas – deixam a palavra de lado e se lambuzam na estética do fotógrafo Georges Lechaptois. Um corpo moreno que afunda numa banheira de água azulíssima, um roçar de rostos femininos que encenam a relação entre um cavalo e sua tratadora, ou um ritual pagão a céu aberto: são algumas das sequências em que Lechaptois pesa a mão nas cores. Ele acentua a temperatura e a pressão de uma narrativa que ganha mais solidez quando aposta numa abordagem sensorial, na sinestesia pura.
A trama, em si, tenta (e nem sempre consegue) dar timbres inusitados à melodia ordinária do dia a dia: duas irmãs, de temperamentos distintos, diferentes também no quesito sorte, vão estabelecer um processo de (re)aproximação e de transferência quase doentia. Mona (a ótima Leïla Bekhti, de “Astrágalo”) é frustrada em sua trajetória como atriz, sendo obrigada a ajudar sua maninha mais nova, Samia (Zita Hanrot), esta sim uma estrela, a administrar seu cotidiano. O que sobra em Samia falta à Mona. E essa percepção vai gerar entre elas, ambas fãs da arte de representar, uma tragédia grega, feita à moda da Bélgica, num híbrido de drama e suspense, sobre fraternidade, produzido (não por acaso) por dois irmãos: Luc e Jean-Pierre Dardenne (diretores de cults como “A criança” e “Rosetta”).
______________________________
CARNÍVORAS: *** (Bom)
Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom