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Um conto moral sobre resistência: confira crítica de 'O paciente'

Divulgação -
Esther Góes e Othon Bastos em cena do longa que conta os últimos dias de Tancredo Neves
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Instalado numa bifurcação entre o drama e o suspense, equilibrando-se nela pela montagem taquicárdica de Maria Rezende, “O paciente – O Caso Tancredo Neves” transpira tensão em seu esforço de ir além do registro histórico e tirar seu protagonista da dimensão mítica. Há menos interesse pelo estadista Tancredo, com seus feitos simbólicos em prol da democracia, e mais apreço pelo Tancredo gente como a gente, suscetível a dores abdominais, vômitos e desabafos do tipo “Eu não merecia isso”.

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Esther Góes e Othon Bastos em cena do longa que conta os últimos dias de Tancredo Neves (Foto: Divulgação)

O foco do roteiro de Gustavo Lipsztein – potencializado por uma carga emotiva ascendente – é menos na esfera do político e mais no terreno das fraquezas, entre as quais, a vaidade, encarnada na apavonada figura de um dos médicos do presidente, o dr. Pinotti, defendido de forma luminosa por Paulo Betti. Na tela, a “cirurgia” de desmitificação simbólica de Tancredo, facilitada pelo desempenho em estado de esplendor de Othon Bastos, é uma operação comum a quase todos os filmes de Sergio Rezende, o que faz do diretor de “O homem da capa preta” (1980) um realizador autoral. Só que a linha narrativa adotada pelo cineasta aqui, na fronteira do thriller, com a (bem-sucedida) acomodação de imagens documentais, transgride suas próprias convenções, fugindo da cartilha biográfica e indo para o terreno do conto moral. “O paciente” é um filme sobre a arte de resistir e os limites físicos que a vida (essa danada) impõe aos verbos de ação.

Esse conto, narrado com o desespero de quem se vê diante de uma morte anunciada, tira o melhor de Sergio e também do fotógrafo Nonato Estrela, dono de uma das mais sólidas (porém menos reconhecidas) linhas evolutivas de nosso audiovisual na depuração da imagem. Parceiro de Glauber Rocha (em “Di Cavalcanti”) e David Neves (em “Muito prazer”), Nonato tira o visual do filme do leito mais ordinário do storytelling rasteiro e aposta numa aeróbica de closes e planos sem cortes, o que amplia a claustrofobia da trama. Sua câmera é generosa com a dor de dona Risoleta Neves, que devolve à telona todo o brilho que Esther Goés esbanjou lá atrás, em “Stelinha” (1990), e que ficou na saudade. Igualmente tocante é a composição de Antonio Britto feita por Emilio Dantas. Rezende talvez tenha chegado ao melhor de si, e levou todo o elenco e a equipe com ele à excelência.

*Roteirista e crítico de cinema

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O PACIENTE: **** (Muito Bom)

Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom