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Entrevista com o cineasta André Di Mauro: Das Gerais para o Lido

Documentário sobre Humberto Mauro leva ao Festival de Veneza imagens raras do cineasta

Divulgação -
Documentário sobre a obra do cineasta integra mostra de Veneza sobre clássicos das telas
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A partir de 1925, quando rodou “Valadião, o Cratera”, o mineiro de Volta Grande Humberto Duarte Mauro (1897-1983) iniciou uma discreta (porém, indelével) revolução no cinema feito em solo nacional, que duraria até 1974, quando finalizou sua obra, com “Carro de bois”. Foi com ele, em produções como “Ganga bruta” (1931) e “Braza dormida” (1928), que a produção audiovisual feita em nossas terras assumiu a brasilidade como um objeto, como bandeira, como poética. Não por acaso, toda a geração do Cinema Novo (com Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade...) via nele um marco. Por isso, a projeção do longa-metragem “Humberto Mauro”, ontem, na mostra Classici Documentari, do 75º Festival de Veneza, tem um simbolismo político singular na afirmação da memória da filmografia do Brasil em solo estrangeiro. Dirigido pelo ator e cineasta André Di Mauro, sobrinho-neto do Humberto, o filme levou imagens raras de nossa história para as telas da Itália. Na entrevista a seguir, André fala sobre a importância de se (re)apresentar Humberto aos europeus, 80 anos depois de um marco histórico: em 1938, ele passou pelo Festival de Veneza, então em sua sexta edição, com “O descobrimento do Brasil” e os curtas “Vitória-régia” e “Os céus do Brasil”.

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Documentário sobre a obra do cineasta integra mostra de Veneza sobre clássicos das telas (Foto: Divulgação)

JORNAL DO BRASIL: Qual foi a maior contribuição de Humberto Mauro para a construção da identidade nacional no nosso cinema?

ANDRÉ DI MAURO: Além da importância fundacional, ele, de uma forma natural, injetou a brasilidade no DNA do cinema brasileiro colaborando de forma decisiva para o encontro desta identidade nacional. Como ele dizia, “universalizar um motivo brasileiro”.

Como você avalia o legado de Humberto Mauro de hoje? Que correntes ele abriu? Que filmes dele mais são comentados hoje?

Vejo o legado de Humberto Mauro como a raiz de uma grande árvore, cuja seiva alimenta até hoje, mesmo de forma indireta, o cinema brasileiro. Ele influenciou diversas gerações de cineastas estimulando novas correntes de pensamento como no caso do Cinema Novo.

Como foi a construção da linguagem do teu documentário?

Desde o início, minha ideia era contar a vida de Humberto Mauro a partir de sua obra. Partindo deste princípio, construímos um roteiro não linear com uma narrativa sensorial, sem os tradicionais elementos dos filmes documentários apoiados na lógica temporal. Tivemos como fio condutor uma longa entrevista que Humberto deu nos anos sessenta e, a partir dela, fizemos uma montagem cinemática, explorando o universo de seus filmes. O som teve uma importância muito grande: como boa parte dos filmes eram mudos, eu contei com o talento criativo do editor RenatoVallone, que colaborou de forma decisiva neste processo. Foram muitas escolhas difíceis e riscos que enfrentamos para chegar neste produto final. Mas acho que conseguimos atingir a proposta inicial, proporcionando ao público uma experiência cinemática diferente dos tradicionais documentários.

O que dizer sobre o resgate das imagens dele em Veneza, em 1938?

No nosso filme, temos as imagens dele chegando em Veneza, de navio, em 1938, além de trechos do .doc “Veneza”, que ele fez lá durante esta passagem pela Itália. É um ciclo histórico que se fecha.

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Longas com chances

Nesta sexta, será projetado o último dos concorrentes ao Leão de Ouro: o filme de samurai “Killing”, do japonês Shinya Tsukamoto. No sábado, o festival chega ao fim, com a entrega dos prêmios. O favoritismo, até agora, segue com o mexicano “ROMA”, de Alfonso Cuarón, drama em preto e branco, da grife Netflix, sobre as transformações em uma família de classe média dos anos 1970, vista sob os olhos de uma empregada ameríndia. Também do México, “Nuestro tiempo”, de Carlos Reygadas, é um dos longas mais bem avaliados pela crítica, ao narrar a crise de um casal. Outros concorrentes com fortes chances de serem premiados são o faroeste “The Sisters Brothers”, do francês Jacques Audiard; o terror “Suspiria”, do italiano Luca Guadagnino; o (anti)épico “Peterloo”, do inglês Mike Leigh; e o thriller “Never look away”, do alemão Florian Heckel von Donnersmarck. Dada a leva de elogios dada a “Domingo”, de Clara Linhart e Fellipe Barbosa (na seção Venice Days), e a “Deslembro”, de Flavia Castro (projetado na mostra Horizontes), o Brasil pode sair premiado de Veneza.

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cultura