A sede do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) abrigou nesta sexta-feira (1°) um encontro para discutir a situação das mulheres negras em diversos contextos sociais. O encontro, intitulado "Roda de Conversa Mulheres Negras na Diáspora: Dimensão Global, Desafio local", teve a presença de mulheres negras de favelas e das periferias do Rio de Janeiro, com jovens que participam do projeto Mulheres Negras Fortalecidas na Luta Contra o Racismo e o Sexismo, coordenado por Criola, Ong FASE, Oxfam Brasil e Ibase.
A roda de conversa contou ainda com a presença de Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam Internacional e ex-parlamentar em Uganda, onde atuou por 11 anos no parlamento.
A experiência de Mulheres como Ana Paula Oliveira, do grupo denominado Mães de Manguinhos e do Fórum Social também de Manguinhos, seguida dos depoimentos de Monica Cunha, fundadora coordenadora do Projeto Moleque, que atua com familiares de adolescentes e jovens que cumprem medidas sócio-educativas e membro da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e Dalva Lourenço da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, denunciaram que no âmbito local o desafio é sobreviver à violência policial.
Todas tiveram em comum o assassinato de seus filhos por agentes do estado.
Winnie fez uma breve exposição sobre sua própria experiência de luta e resistência política, e de sua trajetória até integrar a Oxfam. Fez questão de frisar a importância da força de todas as mulheres que ali estavam, que compartilharam dores, lutas, mas que sobretudo demonstram a força da mulher afro-brasileira. Salientou que o militarismo no Brasil, assim como na Árica, é uma realidade perigosa.
As mulheres negras que, ao redor do mundo, lutam e resistem de diversas formas, vêm construindo soluções criativas para suportar toda dor do sexismo, do racismo, da misoginia, resultado dos processos de escravização de pessoas negras e, em especial, o Brasil, com uma longa permanência do regime escravista, sofre danos pavorosos.
Ainda incipiente, apesar de maioria negra, a presença de mulheres negras no parlamento é tímida, mas cada vez mais necessária, como afirmou a vereadora Marielle Franco, presente ao encontro. Na luta pela efetivação de direitos os mais básicos, para que a fragilidade dessa parcela da população diminua e não se acentue como já podemos perceber em uma ano após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Glaucia Marinho, da Organização Justiça Global, afirmou que a situação das mulheres negras e das populações rurais apresentam ainda mais e maiores níveis de gravidade no que se refere à violações. Enfim, há uma enorme tarefa a se cumprir no Brasil ainda em relação aos direitos humanos e ainda mais em relação às mulheres negras, que ainda por cima vêm compondo estatísticas de mortes por arma de fogo.
O corpo negro feminino é, sem dúvida nenhuma, alvo de atrocidades desde a maternidade e o parto violentados, desumanizadas na sua dor, subavaliadas no mercado de trabalho, mesmo em condições iguais, por exemplo. Mas há também um sopro de esperança e sobretudo força, quando depoimentos de jovens negras e que, inseridas em diversos coletivos, ou coletivas, como afirmam sempre com muita propriedade, não só discutem, mas buscam caminhos através da inserção na universidade, nos processos culturais e artísticos como possibilidade de intervenção na construção de soluções reais para enfrentar esta dura e perversa realidade.
Pensar para além da necessidade cotidiana de lutar para se manter vivo(a), os homens e mulheres negras, principalmente, devem ter o direito de sonhar, de desejar o bem viver, o acesso à água de qualidade, à segurança alimentar, à terra e a viver sem ter a sombra de ser sempre um corpo passível de todas as violações, por conta da cor de sua pele.
Aqui, ou em qualquer lugar do mundo, não podemos mais naturalizar e tolerar frases como a do policial note-americano que afirmou só matar pessoas negras, ou do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) que comparou negros a animais, utilizando termo da vigência do período da escravidão para se referir á homens negros quilombolas, em uma palestra para a comunidade judaica carioca em clube na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Racismo mata, perpetua processos de exclusão e empobrecimento e as mulheres negras são suas maiores vítimas. Não há como não discuti-lo, não há mais como voltar atrás e não avançarmos em encarar de frente um dos maiores problemas da sociedade brasileira, o racismo estrutural e estruturante das relações em todos os níveis por aqui.
* Colunista, Consultora na Ong Asplande, Pesquisadora e Membro da Rede de Instituições do Borel