O vereador Carlos Bolsonaro, chamado gentilmente pelo pai de pitbull, declarou que, se a empresária Elaine Caparroz tivesse uma arma em casa, a história da agressão homicida de Vinícius Serra teria sido diferente. Só na cabeça dele que a vida deve ser este faroeste intimo em que pessoas, durante um suposto ato de amor, estejam armadas. Nem em "Game of Thrones" isso acontece.
Quem marca um encontro depois de uma longa troca de mensagens (troca de mensagens é uma coisa que o vereador não gosta muito) está esperando gestos carinhosos e amorosos, não um constante estado de alerta. Armas não são objetos eróticos. Armas matam, ou seja, o oposto do objetivo do encontro. Julgar também Elaine por ter ido para a cama com o Vinícius no primeiro encontro beira o machismo mais retrógrado e preconceituoso. Passa a ser mais importante esse fato do que a agressão durante quatro horas sobre a vítima. O fato de uma pessoa querer transar com outra não abre a prerrogativa do crime que virá a seguir. O crime acontece por outros motivos. Nesse caso, motivos torpes alimentados pelo machismo, pela impunidade e pela violência institucionalizada. O Vinícius me parece ser uma pessoa perturbada e agressiva, educada com esses valores distorcidos. O que ele tem contra as mulheres explica o que ele deve ter contra tudo o que é civilizado e saudável.
Lidar com o feminicídio dizendo que uma arma resolveria e tratar o agressor como covarde é tirar da frente o problema. Não é só uma questão de covardia, é um gesto de opressão contra as mulheres e de arrogância violenta masculina... Agredi-la dormindo é uma traição às expectativas dela e jamais uma distração. Se ela tivesse uma arma em casa poderia ser ainda mais grave. Quem agride assim alguém não tem pudores em matar. Elaine poderia estar morta e aí, sim, a história ser outra.
Vivemos um momento no país totalmente hostil que pode até não resultar em nenhuma mudança concreta na legislação, mas vai dar um trabalho enorme e dispendioso no combate à essas distorções. Parece que abrimos a porta de um lugar onde as palavras são rudes, os termos agressivos, a compreensão da vida limitada. Governantes se tratam de mentirosos, e podem até ser, mas lavam a roupa suja na rua sem o menor pudor. E sem o menor pudor continuamos a viver assistindo a esse espetáculo dantesco para o qual não fui convidado.
Não sabemos nem contra o quê lutar. Não há programa, não há projetos, não há ideologia precisa. O que há é um desgoverno que vai tateando feito cego em tiroteio até o próximo degrau. Como temos um Congresso imprevisível, tudo pode acontecer até casos como esse de violência serem esquecidos nos corredores escuros do novo poder. Quem é machista nas declarações, é machista em tudo. Tratar o agressor de Elaine como covarde é um julgamento primário que não leva em conta a opressão dos homens sobre as mulheres há séculos. Enquanto tudo for tratado como covardia ou falta de armas para reagir nada mudará. A própria criminalização da homofobia se não for acompanhada de mudanças profundas na educação (e isso está longe de acontecer) vai ser mais uma lei a ser driblada diante do número de assassinatos que acontecem todos os dias.
O Brasil não precisa de armas e sim de educação. Parece chavão, mas é verdade. Só assim não vamos dar tiros n'água.