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Este país não me quer mais

Miguel Paiva -
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Quando fui embora do Brasil em 1974, havia um regime militar no poder, uma ditadura que me expulsava. Hoje não temos a ditadura, temos um regime democrático meio atrapalhado e um governo de direita que tropeça na própria falta de competência. Mas a sensação de sermos empurrados para fora é a mesma. Em 1974, me senti expulso, mas me sentia pertencendo ao meu país. Hoje não sou formalmente expulso, mas me falta esse sentimento de pertencimento.

Macaque in the trees
xxxxxxxxxxxxx (Foto: Miguel Paiva)

De fato, esse pessoal que está aí não quer que eu faça parte do país. Não quer ou não está nem aí. Ou as duas coisas. Fato é que não sinto que pertenço mais aqui. O pensamento que permeia o poder e as autoridades é o pior possível. A negação pela negação não afirma nada, só nega. Negar tudo que já é História hoje é negar a cultura, a evolução, a transformação. A palavra transformação assusta os reacionários que não querem transformar nada. Transformação é o que faz a gente ser feliz, encontrar novos caminhos que abrem as possibilidades da vida. Não transformar é não viver.

Olho nas pessoas que cruzo nas ruas e não me vejo mais nelas. Parecem zumbis, "walking deads" tupiniquins atraídos pelos sons e famintos de algo que eles nem sabem o que é. Caminham a esmo esperando o acaso. Não me vejo mais na valorização deste acaso dos nossos dias. Passamos a viver não acreditando nas ferramentas e na inteligência do ser humano para criar, transformar e nos defender das intempéries da vida. Hoje esperamos uma chuva rezando, ao invés de confiar na capacidade de nos defendermos. É que junto com esse acaso que nos guia tem o descaso que nos desvia. Ficou mais fácil acreditar que um ventinho vai empurrar a frente fria para o mar do que confiar que os bueiros vão estar desentupidos, as forças da Defesa Civil preparadas, a Light ligada para restabelecer a energia e nós prontos para protestar nas ruas. Não temos certeza de mais nada. Olhamos para o céu numa súplica de que alguém lá em cima olhe por nós. Não é o que tem acontecido, mas o que nos sobra?

Uma pessoa que trabalha comigo há bastante tempo, prestando serviços na casa onde moro, tem que voltar todos os dias para Belford Roxo. É lá que ele tem sua casa e onde vive debaixo de uma guerra entre facções há um bom tempo. Tem dias que fica por aqui, porque sabe que não vai conseguir chegar lá. Os membros das facções circulam impunemente pelo bairro, entram nas casas, dormem nas varandas com suas armas automáticas sem serem incomodados. A polícia aparece de vez em quando e neste quando se não houver uma grana em jogo periga até de haver tiroteio. Que sensação de pertencimento pode ter essa pessoa? Ele vai usar a lei que flexibiliza as armas para se defender? Ele não tem nem mais casa pra morar! Este é um dever do Estado não dele. Eu pergunto, que solução há para isso que não passe pela Educação e pela descriminalização das drogas? E quem quer isso? Eu quero. E o governo? Quero me sentir de novo pertencendo a este país e não a um circo onde ministros dizem barbaridades, queimam nossa história no fogo do desconhecimento e fazem números de mágica que só enganam as criancinhas que aplaudem os palhaços. O público mesmo, daqui a pouco, vai demonstrar que está cansado da encenação ou que se arrependeu de ter comprado ingresso para este espetáculo.