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Direitos distorcidos

Miguel Paiva -
História
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Macaque in the trees
História (Foto: Miguel Paiva)

As pessoas aqui no Brasil têm o péssimo hábito de buscar seus direitos só depois da casa arrombada. Parece que os direitos não são de fato direitos, mas, sim, favores que a providência divina faz. A conquista dos direitos acompanha o progresso e desenvolvimento social dos países, coisa que aqui no Brasil anda meio parada. Acaba sendo a história do ovo e da galinha. Um país que não costuma ouvir a voz do povo e trabalhar para ele não cria o hábito no povo de reivindicar. Para quê, afinal? Não me atendem mesmo. E já que o povo não pede, pra que fazer? Fica nisso e cada vez mais vamos nos acostumando ao status quo, seja ele qual for. As pessoas querem trabalhar, comer, não têm emprego. Fazer o quê? Vão vender quentinha na frente de um restaurante ou bar, que também vende comida e paga impostos. E aí, como fica? Fica que não tem jeito. O problema não está na quentinha nem no bar. Está no governo que só pensa em se locupletar e favorecer os bancos e esquece de criar condições reais de desenvolvimento social. O povo que se vire, literalmente.

Os direitos são colocados de lado e a raiva e a frustração que vão se avolumando dentro de cada um acabam extravasando e virando protesto sem causa, violência, agressão e salve-se quem puder. Exigir seus direitos é, como a palavra diz, um direito do cidadão. Ninguém vai estar fazendo favor. Ninguém será punido dentro dos limites civilizados. Fora deles, não sei. Como andamos beirando esses limites de barbárie e de autoritarismo, reivindicar seus direitos pode se tornar um ato de subversão.

Este governo foi eleito pela frustração, pela ignorância e pela válvula de escape que carregamos dentro. O antipetismo não foi o único elemento. Havia no eleitorado essa coisa que os italianos chamam muito bem de qualunquismo, ou seja, "qualquerumismo" que sinalizava que a turba selvagem estava batendo na porta dos valores sociais e das conquistas. Sem pensar bem, os direitos (que ironia!) foram esquecidos ou transformados em vilões nessa cruzada moralista e suicida. Um povo que exalta um governo que não valoriza os direitos, as diferenças e as conquistas sociais está lutando contra si mesmo.

Existem canais de busca dos direitos criados por lei em todas as empresas e existem as entidades, grupos, sindicatos, organizações, etc que podem reivindicar seus direitos e de mais outros tantos cidadãos. Mas é no dia a dia que assistimos ao triste espetáculo do conformismo e da impotência. Isso tudo agravado pela ideologia de dois tostões que circula para justificar as medidas vazias do novo governo.

Se você reclama, protesta e reivindica, você é petista amargurado. Se você, grita, xinga e agride, você está impondo respeito. Aí reside o perigo. O direito de cada um e dos grupos passa a ser visto como coisa de comunista e as manifestações pessoais descontroladas como desejo indiscutível da população. Uma série chamada "O jornal", em cartaz na Netflix e passada na Croácia, mostra na segunda temporada tudo o que estamos vivendo no Brasil. Não é coisa de vidente ou profeta. É uma coisa chamada História. Um filme que concorre ao Oscar chamado "Vice" mostra também essa mesma História, teimosa em se repetir através de mecanismos que acontecem tanto em Washington quanto em Brasília. Prestar atenção na História é nosso primeiro e grande direito. Ela, sim, nos ensina e muito.