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Uma noite de 12 mil anos

Miguel Paiva -
A ideia de que o Ano Novo traz novas esperanças não dura mais do que 48 horas. O tempo de curarmos a ressaca da virada e cairmos na real
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A ideia de que o Ano Novo traz novas esperanças não dura mais do que 48 horas. O tempo de curarmos a ressaca da virada e cairmos na real. O ser humano insiste em ser emotivo, exercer o livre arbítrio, tomar grandes decisões, mas, no fundo, tudo isso não passa de impulso disfarçado de raciocínio, cérebro ao invés do coração. Os próprios cientistas já concluem que o livre arbítrio não existe. Somos uma máquina, ou como diz o cientista inglês Richard Dawkins, uma mera contingência. É claro que existem seres pensantes e é claro que o homem deixou de ser neandertal para ser fulano de tal, cidadão responsável. Mas é pouco. O que o homem é capaz de fazer de barbárie e violência nos leva também à teoria do surgimento da loucura entre nós. Na época das civilizações nômades, os povos do Sul (África principalmente) migravam para o Norte em busca de temperaturas mais amenas enquanto os povos do Norte ( países nórdicos) migravam para o Sul em busca também de temperaturas mais amenas. Ambos fugiam de condições extremas de vida e acabaram se encontrando na região da Europa Central. Desse confronto nasceu a loucura. A “loucada” quase se exterminou e dali surgiu o homem pensante, racional e supostamente “civilizado”.

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A ideia de que o Ano Novo traz novas esperanças não dura mais do que 48 horas. O tempo de curarmos a ressaca da virada e cairmos na real (Foto: Miguel Paiva)

No excelente e emocionante “Uma noite de 12 anos”, de Álvaro Brechner, produção uruguaia/espanhola, assistimos chocados a que ponto pode chegar o ser humano na sua crueldade e violência. A história mostra a prisão e tortura por 12 anos seguidos de três pessoas, incluindo o ex-presidente do Uruguai José Mujica. Todos os atos mostrados carecem de explicação e beiram o terror justamente nessa ausência de sentido. E este é apenas um exemplo. O mundo das guerras, das disputas, da exploração do homem pelo homem, das mortes, das armas, do dinheiro e praticamente dos sete pecados capitais juntos é a prova definitiva de que o ser humano não é aquilo que desejamos. E, não temos como mudar. Melhorar, atenuar ou até mesmo nos iludir é possível. A cultura serve justamente para isso. Fazer do ser humano uma possibilidade mais concreta de amor, entendimento, criatividade e prazer. Fora isso, a religião se ocupa de dar uma justificativa divina a essa falta de explicação. Mas como dizia de novo Richard Dawkins, este mistério é muito mais instigante do que a verdade absoluta. Não entender o que acontece com o ser humano nos leva mais longe do que criar uma falsa imagem de bondade ou boas intenções. Como já falei aqui em outra coluna, não fazemos parte de um grande projeto. Somos coadjuvantes de um roteiro escrito coletivamente, de improviso e com um público ávido para vaiar.

E a História foi feita com essas cenas. Nenhum aplauso final, nenhuma risada divertida, nenhum ato construtivo e solidário. O que a História nos deu de bom veio, geralmente, com o fim de períodos de matança irracional, de genocídio e exploração. Como nessas ocasiões o abuso atingia também interesses de quem combatia essa tirania, vencer a guerra acabou por criar um clima ilusório de paz e amor. Mas tudo isso dura pouco e nenhum país está isento dessas barbaridades porque é do ser humano. Sorte nossa que ainda estamos vivos e testemunhando a vida na terra. E se o calor tórrido chegar, não mate seu vizinho sueco. Ligue o ar condicionado.