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Morrendo de pena

Miguel Paiva/JB -
Charge
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Macaque in the trees
Charge (Foto: Miguel Paiva/JB)

Já falei aqui nesta coluna que somos uma mera contingência do universo e, como tal, capazes das maiores atrocidades. Desde que o homem descobriu que dando uma cacetada no outro ele morria, as relações humanas mudaram. O homem passou a olhar para o outro não como um possível parceiro, mas como um adversário a eliminar e ele poder coçar o saco em paz antes de comer a mulher do próximo. Em resumo é isso. De lá pra cá, muita gente morreu, não de morte morrida, mas de morte matada e de popular que ficou acabou sendo institucionalizada para resolver problemas mais gerais que envolviam o poder. Virou Pena de Morte e com isso, Estado, Igreja, instituições, reis, papas e políticos passaram a usá-la em benefício próprio. Foi um deus nos acuda, apesar de deus ter sido usado desde sempre para justificar penas de morte.

Mas a pena de morte resistiu. Claro que os países mais desenvolvidos social e culturalmente a aboliram. Nos Estados Unidos, que deveriam estar incluídos nesta categoria, ela resiste em alguns estados já que a constituição americana prevê esta possibilidade. Sabendo, além do mais, que a maior parte da população carcerária americana é composta por negros, podemos também imaginar que os habitantes dos corredores da morte que resistem também são negros. Será que voltamos lá onde dissemos que a pena de morte sempre serviu para manter algum tipo de poder? Pode ser. Nos outros países onde resiste, todos totalitários de um modo ou de outro, ela continua servindo aos interesses de algum grupo no poder ou de alguma ideologia mais radical que precisa eliminar seus adversários para sobreviver. Coreia do Norte, Irã, Arábia Saudita, são exemplos bem primários do que isso significa e também demonstra para os brasileiros que pensam nesta possibilidade como estaríamos em boa companhia. O presidente eleito, apesar da preferência do filho, negou esta possibilidade mas já disse também que cabe ao Congresso resolver. Ou seja, subiu no muro mas pelo lado da pena de morte.

É ignorância ou hipocrisia achar que a violência de Estado - e a pena de morte é uma violência - vá resolver problemas que não sejam de interesse de poucos. Criminosos têm que pagar por seus crimes na cadeia. para isso nos tornamos um mundo mais ou menos civilizado. Se a justiça de um país não consegue resolver sozinha essas questões é porque o país precisa resolver outras questões antes de poder entregar seus criminosos à justiça. Eu falo da justiça dos homens, não da de deus.

E esses problemas que resistem e que mantém o país num baixo nível de desenvolvimento humano acabam por dar vida a uma pena de morte disfarçada. Nas comunidades, criminosos são executados mas junto com inocentes, agravando a selvageria da lei informal. No campo, a mesma coisa, proprietários, capangas, capatazes matam para manter a posse de uma terra no mínimo contestada. Nas aldeias indígenas, o mesmo acontece. É uma pena de morte disfarçada de disputa - que de disputa não tem nada. É desigual a luta e é injusta a pena que todos estão pagando.

A violência não se resolve. Policiais e inocentes morrem na tentativa e transformar isso numa lei só vai nos expor ao ridículo. Melhor passar vergonha por atrasados, mas correndo atrás do desenvolvimento, do que sermos vistos por todos como mais um país que tenta se manter vivo matando pessoas.