ASSINE
search button

Tristes tempos

JB -
Charge de Miguel Paiva
Compartilhar

Na série “A amiga genial”, baseada no romance de Elena Ferrante, vemos o convívio social entre os habitantes de um bairro da cidade de Nápoles na Itália. É um belo exemplo de como ricos e pobres não conseguem conviver em paz, não por incompatibilidade de gênios, e sim por intolerância total por parte dos ricos, que causa uma revolta mais do que justa por parte dos pobres. Estou tomando partido, sim. É claro. E não falo só dos ricos de verdade, que até podem escapar desta classificação, mas falo dos ricos que desejam ser ricos e não são, que se sentem acima dos outros por questões econômicas e ideológicas, mas que não os coloca na escala de valores como melhores ou mais merecedores. Esta mentalidade do alpinismo social, do topa-tudo por dinheiro, da lei de Gerson, do “quem manda aqui sou e” e do “sabe com quem está falando?” é uma característica do ser humano que nem Freud nem Marx explicam, separadamente. Talvez se escrevessem juntos um tratado a coisa ficasse mais clara. Na série da HBO, na festa de réveillon, os “ricos” são superados pelos “pobres” na beleza e na quantidade de fogos lançados ao ar. Na humilhação da derrota, acabam dando tiros de revólver na direção do terraço dos “pobres”. Típico, não? O episódio narrado por Arnaldo Bloch na sua coluna semanal do Globo mostra a mentalidade habitual e os novos costumes em relação às mulheres e à posição dos militares na sociedade atual. Quem leu, lembra. Quem não leu, é bom ler. Esclarecedor.

Macaque in the trees
Charge de Miguel Paiva (Foto: JB)

Com a minha enteada aconteceu um episódio também preocupante. Na Rua Pacheco Leão, em direção ao Horto e depois à Vista Chinesa, costumam circular muitos ciclistas em meio aos ônibus e aos carros. Deveria ser uma convivência pacífica, com direitos e deveres para cada um. Mas, não é. Historicamente os ciclistas nessa cidade estão em desvantagem. Nunca houve respeito por parte dos veículos maiores. Por conta disso, os ciclistas, numa rua em que os direitos deles são determinados por placas, acabam assumindo uma postura que, de defensiva vira agressiva e perigosa. Não todos, é claro, mas muitos circulam pelo meio da rua e os carros não podem nem ultrapassar, nem pedir passagem. São agredidos verbalmente como se a rua fosse só deles. Minha enteada vinha descendo a rua de carro - mas ela também é ciclista - e uma bicicleta ocupava o meio da rua, e não o canto direito como deveria. Ela pediu gentilmente passagem e além de não conseguir foi ofendida bem no estilo dos dias de hoje. De “arrombada” à “puta”, e por aí vai. Acabou sendo ameaçada fisicamente pelo ciclista que desceu da bike, colocou a mão na janela do carro depois de ter dado um safanão na carroceria. Ela reagiu e ele tentou lançar a bicicleta contra ela. Num gesto arriscado para hoje em dia e assustada pela agressão, ela empurrou o ciclista que saiu catando cavaco, como se diz, por cima da própria bicicleta. Testemunhas que estavam ali na rua deram razão à ela, é claro. Esse é o Rio em que vivemos. Nina ainda quis ir à delegacia, mas ele foi embora. Essa arrogância, essa violência sempre existiu principalmente quando envolve homens e mulheres. Mas agora periga virar uma regra. Da “boa educação” do filho do militar da coluna do Arnaldo, aos xingamentos e prepotência do ciclista da Pacheco Leão, viramos uma selva onde até o leão se esconde porque pode sobrar pra ele. Tristes tempos.