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O fim do mundo

Miguel Paiva -
"Eu? Eu sou Deus, posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Fui"
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As manchetes de todos os principais jornais e sites do mundo diziam quase a mesma coisa “A Terra está fervendo”. Todos davam no máximo dois ou três dias para que derretesse de vez. As transformações climáticas eram evidentes. Maremotos, enchentes, chuvas torrenciais e secas mortais invadiam a superfície do planeta. Os grandes líderes tentavam tomar uma medida que unisse os povos, mas foi um cada um por si, sem controle. Tempestades varriam do solo tudo aquilo que fosse vida. A comida rareava, a água estava se contaminando com os gases liberados das calotas polares que se derretiam. O céu era tingido pelo cinza da fumaça misturado ao lilás dos gases por décadas criando uma aquarela sinistra de morte anunciada.

Era difícil sair nas ruas. O calor e a umidade sufocavam. A água cobria o que ainda restava e quem conseguia escapar não conseguia respirar por muito tempo. Corpos eram vistos boiando nas águas. Os animais circulavam pelas ruas sem saber onde buscar abrigo. Aviões não conseguiam mais levantar voo e carros que não andavam sem combustível iam se acumulando nas estradas que serviram de fuga nos primeiros momentos.

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"Eu? Eu sou Deus, posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Fui" (Foto: Miguel Paiva)

Novos profetas surgiam a cada esquina. A igreja tentava através do Papa acalmar seus fiéis. Os muçulmanos rezavam voltados para Meca, os judeus se reuniam nas sinagogas tentando uma explicação nas profecias milenares.

O mundo assistia atônito ao que sempre temeu mas nunca o bastante para tentar evitar. Agora era tarde. O clima de morte ia se acumulando por todos os cantos. Ninguém se entendia, pessoas começaram a se matar umas às outras e mesmo os profetas e pregadores que surgiam acabavam por reconhecer sua impotência diante da devastadora manifestação da Natureza.

Em Brasília, a Praça dos Três Poderes era um cenário desolador. As nuvens cinzas e púrpuras fechavam completamente o céu e, de repente, uma enorme trovoada como nunca se havia ouvido ecoou pela região. Todos tremeram. Um raio de sol rasgou a cortina de nuvens e deixou passar a visão do céu azul. Foi então que um aparelho de telefone celular de última geração passou pela brecha e veio caindo até afundar no lago diante do Palácio da Alvorada. Um passante correu para pegá-lo. Poderia valer alguma coisa. Era à prova d’água. Colocou o celular no ouvido. Todos olhavam. Do celular alguém disse. “Bota no viva voz!” Ele colocou. Uma voz tonitruante ecoou pelo Planalto Central.

- Cadê aquele ministro do novo governo que disse que exageramos no alarmismo climático?

- Quem está falando? perguntou a atônito interlocutor.

- Sou Deus, não percebeu?

- Desculpe, é que está difícil de ouvir com toda esta confusão.

- Não posso fazer nada. Não sou o responsável por isso. Foram vocês mesmos.

- Como nós?

- Vocês sempre acharam que podiam usar meu nome e minha influência para tudo. Se enganaram. Não posso fazer mais nada.

- Vamos morrer?

- E faz alguma diferença? O mundo do jeito que vai ficar não vai ser um bom lugar para se viver.

- Mas o Trump vai deixar isso acontecer?

- Trump já era. Fugiu pra Cuba. Parece que é o único lugar na Terra que vai escapar desta sanha desenvolvimentista que vocês criaram e que está destruindo o mundo. País atrasado, agrícola, poucos carros, poucas indústrias, muitos médicos...Taí o resultado. Virou Paraíso.

- E o senhor?

- Eu? Eu sou Deus, posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Fui.