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O papel da imprensa

Miguel Paiva -
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A primeira vez que publiquei num jornal eu tinha 17 anos. Foi no “Cartum JS”, suplemento de humor do “Jornal dos Sports” editado pelo Ziraldo. Era um suplemento, não um jornal e a redação funcionava na sede da revista “Visão”, no Centro do Rio. Fui lá mostrar meus desenhos para o Ziraldo e encontrei na redação Zuenir Ventura, Washington Novaes, Aloysio Biondi e o próprio Ziraldo. Eram jornalistas militantes em plena função. O suplemento de humor era independente, como aliás deve ser qualquer publicação de humor e a revista “Visão” seguia os interesses do patrão, mas não ofendia nenhum preceito democrático. Estávamos em 1967, ditadura estabelecida mas antes do AI-5. Depois, publiquei na revista “O Cruzeiro”, de tendência um pouco mais de direita e no “Correio da Manhã”, jornal diário que abrigava boa parte dos grandes nomes do jornalismo, como Antonio Callado, Paulo Francis, Fortuna, Carlos Heitor Cony, Sérgio Augusto e outros. Todos jornalistas, todos investigando e todos felizes em ver suas matérias e reportagens sendo publicadas. No “Jornal do Brasil”, onde aportei em 1971, conheci por dentro um verdadeiro jornal e os jornalistas que o faziam. Comecei a publicar o Capitão Eco no “Caderno I”, suplemento infantil editado por Ana Arruda e Norma Couri e todos os dias pegava carona naquela redação mágica que ficava ao lado. Lá estavam Alberto Dines, Paulo Affonso Grisolli, Marina Colasanti, Carlos Leonam, Carlos Lemos e tantos outros que eu nem conseguia identificar. O jornal ficava na Av. Rio Branco 151 e lá se fazia tudo, da redação à impressão passando pela linotipia e pelos clichês. Passava o dia fuçando as entranhas do jornal. Aprendi um pouco de tudo. Paginar, ilustrar, medir texto, escolher fotos e escrever. Estava cercado pelos melhores e jornalismo era o que se via ali. Uma redação independente, mesmo com um patrão com ideias próprias. Cada jornal tinha sua linha, mas isso não impedia os jornalistas que pensavam diferente, como o próprio Callado revelou, de escrever livremente. Quando fui para a Itália, alguns anos depois, percebi mais claramente que jornal tem dono e reflete o que esse dono pensa. Por outro lado existe um comitê de redação que funciona como filtro. Mesmo um jornal sendo de direita não vai defender publicamente o fascismo porque o comitê não vai deixar e vice-versa. A notícia é que é uma só. O fato tem que ser contado como ele de fato aconteceu. Depois você interpreta como quiser. Aqui costumava-se dizer que certos jornais inventavam o fato para justificar a “notícia”. É verdade.

Macaque in the trees
. (Foto: Miguel Paiva)

A opinião de cada um e do jornal, sobretudo, é evidente. Não dá para dizer que aqui, no Brasil, a imprensa é imparcial. Não é imparcial nem aqui nem em qualquer outro país. Nos Estados Unidos, o principal escândalo que a imprensa cobriu, o Watergate, fez do jornal “Washington Post” um grande jornal. Dois jornalistas independentes investigaram e com o compromisso com a notícia que os editores tinham, acabaram fazendo um presidente renunciar. Não precisaram de fake news nem de insinuações mirabolantes para convencer o público. O fato estava ali e a imprensa revelou.
Aqui no Brasil, isso precisa ficar mais claro para que possamos escolher no que acreditar porque as notícias mudam, mas o fato, a História é quem conta.