ASSINE
search button

A Ata do Copom vista por Bradesco e Itaú: inflação não é ameaça

... -
...
Compartilhar

A Ata da reunião do Comitê de Política Monetária (dia 16 de setembro), que manteve a taxa Selic em 2% ao ano (após nove reuniões de baixas seguidas), divulgada na manhã desta terça-feira (22), foi interpretada pelos departamentos econômicos do Bradesco e do Itaú. E há boas notícias nas entrelinhas dos 23 parágrafos.

A primeira boa notícia é que ambos concordam com a Ata: a inflação vai continuar a subir para o consumidor, pressionada pela alta dos alimentos, mas há fatores de baixa para contrabalançar a escalada: a baixa dos reajustes dos planos de saúde (o reajuste de setembro foi adiado) e os combustíveis (gasolina e diesel) devem cair a partir de outubro, segundo assinalou o Itaú. E a inflação futura deve seguir “abaixo da meta” do BC. A meta é de 4% em 2020; caindo a 3,75% em 2021; 3,50% em 2222 e 3,25% em 2023. Em todos os anos, com margem de variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Mas a escalada do dólar fez a Petrobras jogar água na fervura, ou pior gasolina no fogo, com o aumento de 4% no combustível em suas refinarias a partir de amanhã, interrompendo três cortes seguidos de preços.

Antes da medida da Petrobras, o Bradesco considerava que “a inflação ao consumidor deve se elevar no curto prazo, refletindo principalmente a alta temporária dos preços de alimentos”, mas na “reabertura de alguns serviços, as projeções mantêm-se em patamares baixos, compatíveis com o cumprimento das metas de médio prazo. De fato, a leitura é a de que o setor de serviços deve continuar com ociosidade elevada, gerando pressões desinflacionárias provenientes da redução da demanda, que “podem ter duração maior do que em recessões anteriores”.

Baixa de juros condicionais

O comitê retomou a questão sobre um potencial limite efetivo mínimo para a taxa básica de juros brasileira no parágrafo 14, destacando novamente sua associação a questões de natureza prudencial e de estabilidade financeira. Para o Itaú, o Copom não fechou as portas a eventuais novas reduções de juros, mas destacou que esse movimento demandaria “maior clareza sobre a atividade e inflação prospectivas e poderiam ser temporalmente espaçadas”. E repetiu que já estaríamos próximos do nível a partir do qual reduções (...) na taxa de juros poderiam ser acompanhadas de instabilidade nos preços de ativos [maior volatilidade no câmbio e oscilações maiores nas bolsas, preços de mercadorias e picos de especulação com os níveis das taxas de juros dos papéis da dívida pública, digo eu, a maior preocupação do governo].

Esta questão ficou mais claro no parágrafo 15: as autoridades repetiram a discussão sobre questões prudenciais, destacando que os juros baixos sem precedentes podem comprometer o desempenho de alguns mercados e setores econômicos, com potencial impacto sobre a intermediação financeira. Isto, segundo o comitê, pode gerar aumento da volatilidade de preços de ativos e afetar, sem o devido tempo necessário de transição para um novo ambiente, o bom funcionamento e a dinâmica do sistema financeiro e do mercado de capitais. Por essa razão, o Copom repetiu sua conclusão de que eventuais novas reduções na taxa de juros exigiriam cautela e gradualismo adicionais, e poderiam ser temporalmente espaçadas.

Ambos concordam que o Copom reafirmou “no parágrafo 19 a avaliação de que, com as projeções e expectativas de inflação significativamente abaixo da meta”. O Itaú destaca que “as autoridades inclusive revisaram para baixo suas projeções de inflação de preços livres do cenário base. Daqui para a frente, esta avaliação deverá ser o elemento-chave na comunicação do Banco Central”. E assinala que as perspectivas para a inflação devem ser mais detalhadas quinta-feira, quando o Banco Central divulgará Relatório Trimestral de Inflação, seguido de coletiva de imprensa”.

Recuperação pode ser mais lenta e demorada

O comitê iniciou a atualização de seu cenário básico discutindo o quadro externo, afirmando, que a retomada da atividade nas principais economias, ainda que desigual entre setores, em conjunção à moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes.

Entretanto, lembra o Itaú, “o Copom avalia que há bastante incerteza sobre a evolução deste cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia”. Em relação à atividade econômica no país, as autoridades avaliam que indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, similar à que ocorre em outras economias, onde setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos.

Apesar de a recomposição da renda, pelo Auxílio Emergencial e outros programas do governo permitem que a economia se recupere relativamente mais rápido que outros países emergentes, “o Copom reforçou a mensagem que a incerteza sobre o ritmo de crescimento permanece acima do usual, sobretudo para períodos a partir do final deste ano, quando os efeitos dos auxílios emergenciais devem arrefecer”, diz o Itaú.

Em particular, dada a natureza do choque, o setor de serviços [que é o maior importante da economia e gera mais empregos e renda] deve continuar com maior ociosidade que os demais, o que, segundo o comitê, provavelmente implica que pressões desinflacionárias podem ter duração maior do que em recessões anteriores.

O comitê retomou a questão sobre um potencial limite efetivo mínimo para a taxa básica de juros brasileira no parágrafo 14, destacando novamente sua associação a questões de natureza prudencial e de estabilidade financeira.

Discussão de política monetária e juros

O Itaú faz uma análise parágrafo a parágrafo: “No parágrafo 11, o Copom discute o cenário internacional e argumenta que a retomada da atividade nas principais economias, ainda que concentrada no mercado de bens, bem como a moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em um ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes.

Dito isto, o comitê entende que há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário benigno, com a possível redução abrupta e não organizada dos estímulos governamentais podendo atrasar a recuperação da demanda por bens e o processo de recomposição de estoques, enquanto a própria evolução da pandemia pode agir como um limitante para o pleno funcionamento do setor de serviços.

Sobre a atividade econômica doméstica, o comitê repetiu sua avaliação, no parágrafo 12, de que os dados recentes sugerem uma recuperação parcial da atividade econômica. Embora o Copom ressalte que os programas governamentais de recomposição de renda têm permitido uma retomada relativamente forte do consumo de bens duráveis e do investimento, também reconhece que várias atividades do setor de serviços, sobretudo aquelas mais diretamente afetadas pelo distanciamento social, permanecem bastante deprimidas, como ocorre no resto do mundo.

O comitê ponderou ainda que a imprevisibilidade e os riscos associados à evolução da pandemia, bem como à necessária redução de auxílios emergenciais a partir do final do ano, podem implicar um cenário de retomada ainda mais gradual da economia doméstica. Sobre a ociosidade da economia, o Copom considera no parágrafo 13 que a pandemia deve continuar a ter efeitos heterogêneos sobre os setores econômicos.

No parágrafo 16, o comitê esclarece que “prescrição futura” (ou forward guidance) serve como um instrumento adicional de política monetária, que eleva o grau de estímulo monetário provido pelo instrumento tradicional, ao mesmo tempo em que mantem a cautela necessária por razões prudenciais. Para adequar a prescrição futura ao dinamismo dos limites impostos por questões prudenciais, o comitê repetiu sua ponderação, no parágrafo 17, de que deveria ter uma intenção de política assimétrica, em que, satisfeitas as condições necessárias, não elevaria a taxa de juros, mas poderia reduzi-la.

Para maximizar sua efetividade, o Copom decidiu ainda que essa prescrição futura deveria ser condicional às expectativas de inflação, assim como projeções de inflação de seu cenário básico para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022. Essas informações seriam consideradas conjuntamente e, caso estivessem suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte correspondente, indicariam o fim da intenção.

O comitê repetiu, no parágrafo 18, que a prescrição futura deve ser condicional não apenas às expectativas e projeções de inflação no horizonte relevante, mas também a dois outros fatores: (1) à manutenção do regime fiscal, já que sua ruptura implicaria alterações significativas para a taxa de juros estrutural da economia, e (2) à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo, tendo em vista que a desancoragem indicaria que os custos do estímulo monetário estariam se sobrepondo a seus benefícios.

No parágrafo 19, o Copom avaliou que as condições para a manutenção da prescrição futura seguem satisfeitas e esclareceu que tais condições incluem: expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, significativamente abaixo da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária; regime fiscal inalterado; e expectativas de inflação de longo prazo ancoradas”, assinala o Itaú.

Para o Bradesco, “o cenário de recuperação da atividade econômica deve ganhar tração até sua próxima decisão (28 de outubro), mas dúvidas seguirão presentes sobre a sustentação da retomada e seus impactos na inflação, o que deve manter a visão benigna apresentada pelo Copom, a despeito do reconhecimento das pressões de inflação de curto prazo”. Por isso, entende que “a Selic não será alterada nas próximas decisões, mas o balanço de riscos tem se alterado gradualmente: os riscos vindos do ambiente fiscal e da inflação devem aumentar as preocupações do BC sobre seus passos futuros”.

Em resumo, o Bradesco acredita que a “Ata do Copom reforça sinal de que Selic será mantida baixa por bastante tempo”. Ou seja, até o final de 2021. Só que nem Itaú nem Bradesco falaram no que interessa: Quando e como os juros bancários vão cair?