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M. Saúde e BC afinados; só falta o PR

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No dia em que o Brasil superou a Bélgica como o 6º país com mais mortes pelo Covid-19 (8.535 contra 8.339), o ministro da Saúde, Nelson Teich, após tomar contato, em Manaus, com a dura realidade do avanço do vírus no Norte do país, admitiu que a situação é grave. Em entrevista no Palácio do Planalto, onde substituiu a Nelson Mandetta, há três semanas, Teich disse que já tem pronto protocolo para afrouxar o isolamento em cidades de médio e pequeno portes. Mas reconheceu que a situação ficou “muito difícil” em algumas regiões mais populosas e será preciso adotar forma mais rígida de quarentena, como o “lockdown”, para conter o avanço da doença, que já infectou oficialmente 125 mil brasileiros, existindo imensa subnotificação.

Ou seja, após 3 semanas sem Mandetta, sem diretriz certa, e com contaminações e mortes crescentes – segundo gráficos da John Hopkins University, publicados no “New York Times” desta quarta-feira (6), enquanto Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Espanha e França, que lideram as mortes, apresentam declínio de contágio e de fatalidades, o Brasil comanda, seguido da Rússia, Peru, Índia, África do Sul e Eslovênia as nações onde a doença dispara -, o ministro Nelson Reich reconhece que não dá para acabar o isolamento como queria o presidente da República, Jair Bolsonaro, motivo que levou à saída do ex-ministro em 15 de abril.

Menos de duas horas após, também em Brasília, o Comitê de Política Monetária do Banco Central deu dimensão econômica à crise do Covid-19 ao reduzir por quase unanimidade de toda a diretoria a Taxa Selic, o piso de captação do sistema bancário, de 3,75% para 3,00% ao ano, a menor taxa histórica de juros no país [como havia sugerido na coluna de segunda-feira]. A decisão do Copom só não foi unânime (o presidente Roberto de Oliveira Campos Neto e oito diretores), porque o diretor de Organização do Sistema Financeiro, João Manuel Pinho de Mello, se recuperava da Covid-19.

Grau do corte de junho, depende da Covid

No comunicado em que destacou as quedas significativas dos indicadores econômicos de produção (e de preços), além dos empregos, o Copom considera a hipótese de que promova na reunião de 16 e 17 de junho “um último ajuste, não maior do que o atual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências econômicas da pandemia da Covid-19”. Vale lembrar que no comunicado de 18 de março, quando reduziu a Selic de 4,25% para 3,75%, o Copom tinha visto como “adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar”. Baixou 0,75%.

Ou seja, as certezas que Nelson Teich e o Copom tinham em relação ao enfrentamento da doença e as consequências econômicas e sociais vão caindo por terra diante da crueza de enterros coletivos em covas abertas a trator. Nelson Teich, um médico oncologista que tratou de uma doença cruel como o câncer, militou essencialmente na área privada onde agiu, nos últimos anos basicamente como gestor. A dura realidade dos hospitais do SUS deve ter minado suas convicções.

Esperar que seus relatos comovam o presidente Bolsonaro parece impensável, pois o PR já deixou escapar um ”e daí?”, quando o país passou de 5 mil mortes, na semana passada. Por isso, seria bom que Teich e os ministros militares aquartelados no Palácio do Planalto – Braga Neto, da Casa Civil, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e Luiz Fernando Ramos, do Gabinete de Governo – demovam, pelo menos o PR das idas às ruas que dão sinais contrários à cautela do recolhimento.

Dados inconsistentes

Vale lembrar que a evolução da doença tem tanta importância para as projeções de cenários da economia (reabertura breve ou mais tarde, com maior ou menor intensidade) que os departamentos econômicos dos grandes bancos e consultorias criaram núcleos para estudar dados da Covid-19, caso do Itaú. Mas as queixas são as mesmas do ministro Teich: imprecisão e falta de confiabilidade dos dados, tornam as projeções fluidas.

A burocracia das secretarias municipais e estaduais não atua em feriados e fins de semana. Daí a enxurrada de ontem e hoje, desmentindo a “queda” no fim de semana. O Itaú adota critério de média móvel em 7 dias. E todos desconfiam da subnotificação. Diante da insuficiência de testes, haveria muito mais infectados transmitindo o vírus.

O NOI, grupo de pesquisadores das principais universidades e institutos de pesquisa do país, considera que o Brasil está com indicadores 75% acima de um conjunto de países em contaminação e em letalidade.

Daí a necessidade de maior rigor no isolamento, adotado no Maranhão, Ceará e em vias de ser adotado na Grande São Paulo e no Grande Rio.

Riqueza concentrada

Em 2019, antes da Covid-19 agravar mais o fosso entre ricos e pobres, o IBGE identificou que o rendimento médio mensal da fatia de 1% mais rica da população, que recebia R$ 28.659 (entre salários, aposentadorias ou pensões e rendas de aplicações financeiras ou de aluguéis de imóveis) era 33,7 vezes maior que o rendimento da metade da população mais pobre do Brasil, que ganhava R$ 850, entre salários, aposentadorias e pensões e benefícios, como o Bolsa Família e o BPC e salário-família, entre outras.

O levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) - Rendimento de Todas as Fontes 2019, divulgada nesta quarta-feira, 6 de maio, indicava ainda que a parcela dos 10% da população que recebiam os menores rendimentos ficava com apenas 0,8% da renda, enquanto que os 10% com os maiores rendimentos concentravam 42,9% da renda no ano passado. A pobreza seguia concentrada no Norte e Nordeste.

Em meio à desigualdade, destaque para a continuidade de gênero (as mulheres recebiam 77% do rendimento pagos aos homens) e os brancos lideravam os rendimentos médios. Pessoas que se declaravam de cor parda recebia apenas 60% dos valores dos brancos e os negros, 55,8%.

Proteção aos seus pares

A decisão do Congresso (Senado) de tirar da lista dos funcionários públicos dos três poderes (nas três esferas de governo – federal, estadual e municipal) que vão ficar com salários congelados pelos próximos 18 meses, os Militares das Forças Armadas e das Forças de Segurança dos estados, profissionais da Saúde, policiais Federais, e patrulheiros da PRF, agentes penitenciários federais, profissionais da limpeza pública, assistentes sociais, guardas municipais, guardas socioeducativos e policiais legislativos, como queria o presidente Jair Bolsonaro, preserva sua histórica base de apoio (as forças paramilitares). Na prática, atinge auditores e fiscais da Receita (que tem os mais altos salários da máquina pública fora ministros) e o MP (federal e estadual) e demais funcionários bem remunerados de autarquias.

Como sobrevive o Estado (a administração pública)? Do dinheiro arrecadado em impostos pelos cidadãos/contribuintes. Com o dinheiro, os governos pagam a máquina burocrática que deveria se encarregar de prestar os serviços aos cidadãos (saúde, educação, saneamento, segurança, transportes e infraestrutura eficientes).

Quando a produção/arrecadação caem por fenômenos climáticos (seca, inundações, furações, terremotos), empresas e o setor público se ajustam e cortam gastos. Quando os fenômenos são duradouros, como na crise financeira mundial de 2008-09 e agora na Covid-19, não há como o setor privado cortar na carne e o setor público ficar imune se a arrecadação encolheu no mínimo 30%.

Eu gostaria que os funcionários públicos nos altos escalões seguissem os exemplos dos dirigentes europeus que cortaram seus salários. Na Petrobras, a diretoria cortou em 30% os vencimentos, para ter moral para propor redução de 25% nas horas trabalhadas dos empregados. BB, BNDES e outros bancos estatais poderiam fazer o mesmo.

Não seria um exemplo edificante se ministros dos tribunais superiores (STF, TST, STJ), juízes e desembargadores (aposentados e na ativa) e membros da ativa e aposentados do MP dessem exemplos de sacrifício.

E se os três filhos de Bolsonaro derem o exemplo, abrindo mão de 20% a 30% dos proventos na Câmara Federal, Senado e Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro em prol de fundos para combater o Covid-19?