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Petróleo WTI e o abacaxi do Bocage

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Essa bizarra situação do mercado futuro de petróleo do tipo WTI (americano do Texas), negociado ontem abaixo de zero – os compradores se dispunham a perder algo para não exercer hoje, terça-feira, 21 de abril, na Nimex (a bolsa de mercadorias e futuros de Nova Iorque) os contratos de vencimento (entrega) em maio, por não terem onde “armazenar” ou a quem transferir os volumes comprados (cada contrato é de 1.000 barris), diante da absoluta saturação do mercado, após a queda de mais de 50% no consumo devido à pandemia do Covid-21, me lembra uma das velhas piadas do Bocage que ouvi na juventude.

O rei fazia aniversário e os súditos levavam presentes valiosos. Bocage, um pobre agricultor, resolveu presentear o rei com uma carroça de bananas vindas do Brasil. Indignado, o rei instruiu o ajudante de ordens a sodomizar o Bocage com o mimo. Apesar do suplício, Bocage ria. E o feitor do rei lhe indagou por que se divertia. E Bocage: “É que meu compadre vem aí com uma carroça de abacaxis...”. Nos dias atuais, quando todos os tipos de petróleo, como o Brent, caem mais de 50%, o contrato WTI é a carroça de abacaxi...

Especulação cria mercado maior que o real

A questão é que se os mercados futuros de ações, moedas, juros e mercadorias (energéticas, metais, grãos, proteínas etc) permitem aos produtores e aos que precisam das mercadorias em seus negócios ou processo de produção, se antecipar a ciclos de altas e baixas que atingem, os preços em função de alterações na oferta e na demanda, o tamanho da especulação faz com que as negociações diárias de contratos excedam – em muito – os volumes físicos efetivamente transacionados.

Na verdade, os contratos futuros ganharam tal relevância, pelos volumes, que os mercados à vista destas mercadorias e papéis funcionam mais para dar liquidez aos contratos futuros. Como há vencimentos mensais e as operações são renovadas dia a dia, a cada minuto ou segundo, tudo vai se ajeitando ao longo do tempo. Às vezes, quando o cenário muda, há um comportamento de manada nas vendas e é preciso acionar o circuit-breaker nas bolsas. Isso era AC-19. Depois da Covid-19, com forte retração da demanda, os mercados físicos estão saturados de estoques e ninguém quer ficar com o mico preto na mão – mercadoria encalhada que não tem comprador ou local para estocagem.

O petróleo não é produto perecível, como grãos e alimentos de origem animal ou frutas e legumes. Mas sem demanda e o mercado super ofertado todos os vencimentos de contrato voltaram a cair fortemente nesta terça-feira, 21, na Nimex e na Bolsa de Futuros de Londres. O contrato WTI para junho caía 38% por volta das 13 hs (horário do Brasil) e o tipo Brent para entrega em junho, tinha baixa de 24,5%, cotado abaixo de US$ 20.

O preço era tão baixo, que além de inviabilizar a produção de “shale gas” nos Estados Unidos e no Canadá, pôs sob ameaça boa parte dos poços petrolíferos brasileiros fora da área do pré-sal (onde os custos são bem mais baixos pela existência de gigantescos reservatórios). Por isso, a Arábia Saudita, já se dispôs a tomar novas decisões para reduzir a produção no âmbito da OPEP + (grupo da OPEP mais Rússia, Brasil, EUA, Canadá, México e outros produtores fora do cartel, sobretudo as antigas repúblicas soviéticas).

Maldição do petróleo, ou algo de podre no reino da Noruega

Por sinal que em tempos de pandemia do Covid-19, o petróleo, que era um dos alvos principais dos ecologistas, por ser a queima dos seus derivados o principal agente de poluição e aquecimento global, está virando a fábula da maldição do petróleo, como ficou conhecida a chamada ‘doença holandesa’.

Os Países Baixos descobriram grandes reservas de gás nos anos 60 e o excesso de divisas valorizou sua moeda e atrofiou a economia. Isso foi bem antes do primeiro grande salto do petróleo, em setembro de 1973, quando o barril do óleo, que tinha os países da OPEP como os maiores produtores, quadruplicou de US$ 3 para US$ 12, em meio à guerra dos países árabes contra Israel, no Yom Kippur. Vale lembrar que em fevereiro de 1983 o barril superou os US$ 83. A preços de hoje seria na faixa de US$ 300. E o barril do tipo Brent (do Mar do Norte, dividido entre o Reino Unido e a Noruega) anda abaixo de US$ 25.

Mas, com o petróleo escasso até a descoberta do “shale gas” nos EUA tornar Tio Sam autossuficiente e grande exportador jogar sempre para baixo as cotações – sobretudo quando há forte retração do consumo (como em 2008-09 e agora) - a Noruega que tem uma rica produção de petróleo para uma população de apenas 5,5 milhões de habitantes (o município do Rio tem 6,7 milhões) andou nadando de braçada.

Para diversificar sua economia e não repetir o erro holandês, a Noruega, comandada pelo Rei Haroldo V e gerida por um primeiro-ministro (regime parlamentarista), criou um fundo soberano para administrar e diversificar as reservas cambiais do país, além de inúmeras empresas estatais, lideradas pela ex-Statoil, atual Equinor. Com tanta riqueza e poucos habitantes, a Noruega tem o 3º maior PIB per capita, com divisão, de fato equilibrada da renda.

No final de 2019 o fundo tinha mais de US$ 1 trilhão de ativos. E se tornou cobiçado e cortejado, por ter uma variada carteira de investimentos em vários países e setores da economia. No Brasil, chegou a investir na Petrobras e em energia alternativa. Mas em 2016, quando vieram à tona os escândalos de corrupção na estatal descobertos pela Operação Lava Jato, o fundo soberano da Noruega pôs a Petrobras e outros investimentos no Brasil na geladeira.

A corrupção não é coisa nossa

Essas decisões foram comandadas, durante 12 anos, por Yngve Slyngstad, que deixará em setembro o cargo de presidente do Norges Bank, o banco estatal responsável pelo fundo soberano, indicando como sucessor o bilionário e filantropo Nicolai Tangen, que gere um dos mais ativos fundos de “hedge” do mundo e possui a maior coleção particular de arte nórdica modernista. Pois agora veio à tona algo de podre no reino da Noruega, que põe em xeque a lisura da indicação (há um mês) de Slyngstad para que Tangen o sucedesse.

Segundo denúncias ecoadas pelo “Financial Times” de Londres, praticamente simultânea à indicação Tangen fez um mimo (os ingleses insinuam ter sido um bom “hedge”): custeou voo charter num fim de semana para Slyngstad, que poderia ter sido tranquilamente ter sido lançado como despesa do banco. O escândalo surgiu em meio à investigação de desvios de US$ 1 milhão no fundo. Agora, o banco central da Noruega, que abriga o administrador do fundo, está investigando se Slyngstad violou suas regras éticas enquanto seu conselho de supervisão estuda a possibilidade de realizar uma reunião extraordinária para analisar a seleção de Tangen.

É duro viver num país com corrupção.

O tamanho da freada de desarrumação

Nos tempos AC-19, as variações mensais nos volumes de vendas do comércio varejista brasileiro (tanto no comércio restrito, que abrange supermercados e mercados, lojas de vestuário e calçados, cama, mesa e banho, farmácias, artigos de escritório e papelaria, e livraria, além de móveis e eletroeletrônicos) ou o varejo ampliado (automóveis, motos, autopeças e material de construção) eram de menos de um por cento ao mês, para cima ou para baixo.

Pois bem, o banco espanhol Santander, que controla a Getnet, que opera máquinas de pagamento à vista ou com cartão de crédito no comércio, fez um índice de acompanhamento do mercado tendo como base uma amostra de 47 mil estabelecimentos, o IGetnet, que abarca cerca de 15% das transações. Vale lembrar que o comércio representa cerca de 12% do PIB brasileiro.

Em março (mês que pegou apenas metade da retração de compras gerada pela pandemia), o IGetnet registrou retração mensal de 25,1% frente a fevereiro após ajuste sazonal. Já o índice ponderado, indicou queda mensal de 16,4% para o índice restrito de vendas do comércio varejista, também descontados fatores sazonais.

As menores quedas foram em supermercados e farmácias, os segmentos que continuaram operantes durante o período de confinamento. Vestuário e móveis e eletrodomésticos caíram entre 30% e 50%. O departamento econômico do Santander está projetando queda de 7% nas vendas do varejo restrito em março frente a fevereiro após ajuste sazonal.

Na agricultura há perdas de pequenos produtores

Se nas grandes lavouras destinadas à exportação, como as de soja, milho, algodão e café, a demanda do mercado internacional, liderada pelo apetite chinês – que só esfriou um pouco em relação a petróleo e metais, porque os mercados que compram os produtos finais transformados se retraíram nas Américas, Europa e Ásia – a demanda não caiu tanto, o mesmo não se pode dizer das lavouras e atividades agrícolas cuja produção final é altamente perecível. No Brasil já se sabe que agricultores familiares que produzem hortaliças e legumes estão com parte da produção encalhada. As perdas de alimentos já são grandes entre as lavouras e a mesa do consumidor. Pois agora a corda está estourando do lado do mais fracos: os produtores.

Se as grandes fazendas de soja, milho, algodão e café têm silos para estocar as mercadorias. Na produção de leite, aves e ovos, pequenos animais e lavouras perecíveis, se a produção não escoar em dois ou cinco dias, tudo está perdido. Nos EUA têm sido comuns os casos de desperdício de milhões de litros nas fazendas, jogados fora por falta de demanda dos consumidores finais. Idem na França, Alemanha, Holanda e Dinamarca.

Engavetamento no processo

No Brasil, isso também ocorre e os produtores de queijo tipo Minas (fresco) são os mais prejudicados. Quem produz queijos cozidos ainda pode armazenar os produtos, esperando dias melhores. Mas o que dizer dos produtores de frangos, que são abatidos em 40-45 dias ou de galetos, com 20-25 dias? Os frangos, já dizia o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, “são soja e milho a futuro”, uma vez que a ração é feita com o uso intensivo desses grãos.

Transformar grãos em carne de frango ou de porco (o ciclo de criação é mais lento) gera mais valor agregado e emprega muita gente na cadeia de produção. Enquanto a demanda de exportação não cair muito (a China vem comprando mais carne de boi e de frango para compensar a perda causada pela peste suína africana, de 40% do seu rebanho, que garantia 40% a 45% da proteína animal consumida no país), o mercado vai se ajeitando. Mas há exceções.

Na região do meu sítio (o município de São José do Vale do Rio Preto, o maior produtor do Estado do Rio de Janeiro), os produtores de galetos foram apanhados no contrapé com o fechamento das galeterias no centro da cidade e nos bairros mais populosos do Grande Rio, onde não se pode comer no balcão. Os abatedouros não têm mais capacidade de estocar.

Como o ciclo de produção é rápido, os riscos ficam maior para os produtores de frango. No século passado, quando os grandes frigoríficos do Sul do país, tipo Sadia e Perdigão (hoje reunidos na BRF) tinham dificuldades para exportar, desovavam frangos congelados no mercado interno, era comum jogarem os pintinhos de uma semana em valas para evitar maiores prejuízos futuros. Houve muita matéria sobre isso. Na ocasião o ciclo de produção ria até 60 dias e o risco de perda era bem maior do que na criação de galeto AC-19.

O efeito da freada de desarrumação, infelizmente, será sentido na mesa de cariocas e fluminenses quando a situação voltar ao normal. É que um subproduto da avicultura, o esterco das aves, misturado com serragem e esterco de boi, é usado como adubo natural por milhares de pequenos produtores de chuchu, tomate, hortaliças e legumes na região Serrana. A situação se repete em outros locais do país. Atenção Emater e governo do RJ.