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Espirro na China contamina o mundo?

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Não há dúvidas que a China, com mais de 1,4 bilhão de habitantes (cifra ultrapassada no final de 2019), à frente dos 1,388 bilhão da Índia, tem um peso muito grande nos destinos do mundo. Qualquer problema na 2ª maior economia do mundo, causa abalo nos mercados que negociam valores (sejam ações ou commodities) sempre alavancados em contratos futuros.

Um surto de alcance ainda desconhecido como o coronavírus, que irrompeu na região de Whuan (11 milhões de habitantes) e já se espalhou por mais de uma dúzia de nações asiáticas, e registra casos suspeitos nos Estados Unidos e no Brasil, é mesmo um fato preocupante. Em 2003, o último vírus mortal que se propagou pelo mundo – o da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) – também partiu da China. E a pior pandemia anterior da história, a famosa “gripe espanhola” que matou quase 100 milhões de pessoas em 1918 (então cerca de 3% a 5% da população mundial) também começou na China.

As quedas das bolsas de valores e nos mercados de commodities (o preço do barril de petróleo tipo brent para entrega em abril baixou hoje para US$ 58,45, após ter atingido US$ 70,58 em 6 de janeiro, quando o ataque americano matou, em Bagdá, o general Qassem Suleimani, do Irã) traduzem o sentimento de incerteza. Pior para os acionistas da Petrobras e da Vale.

Um ano depois da tragédia de Brumadinho, que reduzi em 15% a produção de minério para exportação oriunda de Minas Gerais, a demanda pode ter queda semelhante. Menos mal que os preços do minério subiram, se ajustando à menor oferta. Mas agora é a menor demanda que conta. Em janeiro de 2019, após o rompimento da barragem de Brumadinho, Vale ON despencou de R$ 56 para 45. Agora, em uma semana, caiu de R$ 57 para R% 50 (na segunda-feira, 27 de janeiro), reagindo hoje para R$ 51,33.

Hoje, 40% da população do planeta estão na Ásia e área de influência da China (cada vez mais presente nos países da África, onde seus soldados constroem hidrelétricas, estradas, ferrovias, portos e hospitais como contrapartida ao acesso a minerais estratégicos e ao petróleo. Isso exige controles drásticos para evitar a contaminação do coronavírus para além das fronteiras chinesas. Dá para imaginar se o vírus se alastra para Japão, as duas Coreias, a Indonésia (que é o 4º país mais populoso do mundo, com quase 270 milhões de habitantes) e chega à Índia e ao Paquistão (207 milhões)?

Não há como não tomar medidas preventivas duras contr qualquer novo vírus, para o qual não há vacinas, nem histórico de evolução da doença. Veja-se o caso da gripe suína africana. Além de dizimar cerca de 40% do rebanho suíno chinês – responsável pelo fornecimento de 47% de proteína anima consumida no país –, acabou se espalhando por países limítrofes e contaminou até javalis selvagens na Polônia. Diante da perda de um forte suprimento doméstico de proteína animal, a China foi aos mercados comprar carnes: de frango e bovina, além de carne de porco de outros países.

No mundo da globalização, um problema numa grande economia ou num grande comprador afeta as empresas fornecedoras ou um setor. O setor automobilístico brasileiro perdeu 40% das exportações com a retração da Argentina desde o 2º semestre de 2018. A crise suína chinesa mexeu com a demanda de soja e milho (matérias primas da alimentação suína local). No Brasil, a carne bovina (turbinada por especulação interna) subiu 32% no 4º trimestre. Diante da retração dos consumidores, a febre está passando e pode haver deflação da carne no IPCA de janeiro, após subir 18% em dezembro.

Também não dá para fazer comparações com a SARS de 2003. A chamada gripe de origem aviária, vinda da China tirou 1,1 ponto percentual de sua economia. Agora, o coronavírus pode reduzir em pouco mais de meio ponto percentual a projeção de crescimento da China.

Só é preciso dimensionar bem o que era a China de 2003 e o que é a China de hoje. A população saltou de 1,2 bilhão para 1,4 bilhão. Mas o PIB chinês, que era de modestos US$ 1,5 trilhão em 2003, ultrapassou o do Brasil, Canadá, Rússia, Itália, França, Reino Unido, Alemanha e Japão, para chegar a cerca de US$ 15,5 trilhões com o crescimento de 6,1% no ano passado. Os Estados Unidos lideram com mais de US$ 20 trilhões.

Está claro que mesmo tendo queda no crescimento para uma taxa anual de 5,5%, a demanda do PIB da China, que hoje tem mais de 800 milhões de pessoas incorporadas ao mercado de consumo, contra menos de 300 milhões em 2003, ainda será muito superior às taxas de crescimento acima de 10% experimentadas entre 2003 e 2008.

A crise financeira mundial, que eclodiu nos Estados Unidos, em agosto-setembro de 2008, levou o 1º mundo à recessão e fez o crescimento do PIB chinês recuar da taxa de 14,2% em 2007 para 9,7% em 2008 e 9,4% em 2009. Em 2010 foi o último ano em que o PIB da China cresceu acima de 10% (10,6%), passando à fase suave crescimento até o nível atual de 6,1%. A previsão na faixa de 5% seria o menor ritmo em 30 anos (a menor taxa anterior, de 3,9%, ocorreu em 1990).

Mas 10% sobre um PIB de US$ 1,5 trilhão em 2003 são mais US$ 150 milhões. Um aumento de 15% corresponderia a um aumento de US$ 175 milhões.

Agora, um aumento de 5% sobre um PIB de US$ 15,5 trilhões equivale a US$ 775 bilhões. Ou seja, gera uma demanda quatro vezes maior do que no tempo do crescimento a taxas de 15% ao ano. A velocidade pode diminuir – o que exigirá redução na demanda futura anteriormente projetada (por isso os mercados estão se ajustando), mas a China continuará sendo o grande mercado consumidor (e exportador) do mundo, se sair ilesa dos vírus que o atacam.

O principal, ainda não quantificado pelos chineses, talvez seja o impacto ambiental que a brutal transformação cultural e econômica passada pela China desde 1990 produziu nas suas cidades e populações.