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Nova metodologia aumenta déficit externo escondido

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A surpresa do déficit do balanço de pagamentos em conta corrente (balança comercial + serviços + conta de capitais e rendas) de outubro, que alcançou US$ 7,9 bilhões, contra apenas US$ 2,0 bilhões no mesmo mês de 2018 e resultou na cotação recorde do dólar, com pressão no câmbio, tem muito a ver com o encolhimento do saldo comercial e pela mudança de metodologia nas contas do balanço de pagamentos, aplicadas desde novembro do ano passado.

O saldo comercial encolheu dos US$ 5,3 bi de outubro de 2018 para modestos US$ 490 milhões este ano (queda de US$ 4,8 bilhões). O movimento é consequência da queda das importações de veículos pela Argentina em crise, do enfraquecimento do comércio mundial após 18 meses de escaramuças entre Estados Unidos e China, e da pressão das maiores importações puxadas pela retomada do crescimento doméstico no 3º e 4º trimestres).

Contas de remessas inflam em US$ 19,4 bilhões

Mas as contas de capitais é que tiveram maior impacto, com mudança acentuada na contabilidade de remessas de lucros e dividendos. Todos os anos, o Banco Central aplicava a Política de Revisão de Estatísticas. Nos meses de julho e novembro, as estimativas de receitas (despesas) de lucros para o ano anterior são revisadas pelas estatísticas apuradas a partir do Censo Brasileiros de Capitais Estrangeiros.

Os lucros de investimento direto são compostos por dividendos distribuídos e lucros reinvestidos. Os dividendos distribuídos refletem a decisão das empresas de destinar parcela do lucro total, auferido em período corrente ou anteriores, aos seus investidores diretos. Os lucros reinvestidos representam a parcela dos lucros retidos (não distribuídos), atribuída aos investimentos diretos. Lucros reinvestidos figuram simultaneamente na renda primária das transações correntes e no investimento direto, como aumento em participação no capital, da conta financeira. Dessa forma, a revisão da estatística de lucros impacta os fluxos de transações correntes e de investimentos diretos.

Para o ano de 2018, as despesas líquidas de lucros de investimento direto foram revisadas de US$ 12,1 bilhões (valor estimado) para US$ 31,5 bilhões (valor revisado), elevação de US$ 19,4 bilhões. As despesas líquidas de dividendos distribuídos, aumentaram de US$ 12,6 bilhões (valor estimado) para US$ 17,9 bilhões (valor revisado), alta de US$ 5,3 bilhões.

Empréstimo entre matriz e filial cai 92% com juro menor

Outra queda substancial foi nas transações intercompanhias. A tradição dos juros altos pagos pelo mercado doméstico brasileiro fazia as filiais de multinacionais, sobretudo nas montadoras de automóveis e empresas que produzem eletroeletrônicos receberem recursos das matrizes sob a forma de empréstimo para o financiamento regular a seus compradores.

Os bancos das montadoras de automóveis estrangeiras são pródigos nisso. Mercedes Bens, Fiat, GM, Toyota, Honda, PSA (Peugeot Citroën), Renault, as coreanas, inclusive em celulares e tevês, conseguiam emprestar com as taxas mais baixas do mercado e ainda garantir lucros para serem remetidos. Por isso, há algum tempo, o Banco Central contabilizava essas operações como investimento direto disfarçada. Mas com a queda da Selic (de 14,25% ao ano, em fins de 2016, para os atuais 5% (com previsão de queda para 4,50% ao ano na reunião do Copom em 11 de dezembro), o fluxo diminuiu muito.

Em janeiro-outubro de 2018 (quando a Selic estava em 6,5%) houve fluxo de US$ 16,664 bilhões de empréstimos das matrizes para as filiais brasileiras. Este ano a torneira quase secou, com redução de 92% no fluxo para US$ 1,276 bilhão.

Resumo da ópera

O déficit em transações correntes do ano passado foi revisado de US$ 21,9 bilhões (1,2% do PIB) para US$ 41,5 bilhões (2,2% do PIB), aumento de US$ 19,6 bilhões, como consequência da elevação das despesas líquidas na conta de lucros de investimento direto. Os fluxos de IDP aumentaram em função da revisão das despesas de lucros reinvestidos, passando de US$ 76,8 bilhões (valor estimado) para US$ 78,2 bilhões (valor revisado).

Menos mal que os investimentos estrangeiros diretos US$ 62,128 bilhões ainda cobriram largamente o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente (US$ 45,657 bilhões em 12 meses, nos dois casos).

Mas a conta piorou muito ante 2015. No auge da recessão (queda de 3,5% no PIB), o déficit em conta corrente foi de US$ 15 bilhões. E o Ingresso de capitais estrangeiros somou US$ 68 bilhões.

Guedes já admite efeito colateral da Selic baixa

Em entrevista na segunda-feira, após o dólar bater os R$ 4,22 (chegou a R$ 4,27 hoje), o ministro da Economia, Paulo Guedes, encarou a alta do dólar e a piora do balanço de pagamentos como consequências do ajuste fiscal e da retomada do crescimento (com mais importações e menos excedentes exportáveis).

Mas há vozes no mercado financeiro temendo que o Banco Central seja mais cauteloso nas baixas de juros da Selic em 2020.

O Bradesco fixa o limite de 4,25% ao ano para dezembro de 2020.

O Itaú estava mais confiante e esperava que a Selic caísse a 4% na reunião do Copom em março.

Agora, tudo pode mudar.