Quando era o maior banco privado brasileiro – de meados da década de 60 até novembro de 2008, quando o Itaú se associou ao Unibanco, que vinha sofrendo com a crise financeira mundial de agosto-setembro e desbancou até o Banco do Brasil da liderança – o Bradesco sempre fazia questão de apresentar seus resultados em primeiro lugar.
A prática deixou de ser tradição desde meados desta década, quando o espanhol Santander tomou a dianteira. Abatido com a perda da liderança e com lucros murchos, o Bradesco preferiu a discrição. Desde a compra do HSBC, em agosto de 2015, operação concluída em 2017, os resultados melhoraram e, após a limpeza dos passivos do HSBC, o orgulho voltou a Osasco, onde fica a Cidade de Deus, sede do banco fundado por Amador Aguiar, em 1943.
Com um banco mais enxuto e parrudo, Octávio de Lazari Júnior, que veio do grupo segurador para assumir, em fevereiro do ano passado, o comando do banco, em substituição a Luiz Carlos Trabuco Cappi, que foi presidir o Conselho de Administração, com a aposentadoria de Lázaro Brandão, companheiro de Aguiar na fundação do banco, em Marília (SP), retomou o velho hábito. O Santander, que tem tirado 26% do lucro global no Brasil, apresenta os resultados no dia 30, antes da abertura dos mercados; já o Itaú-Unibanco, será dia 7 de maio, após o fechamento dos mercados acionários do Brasil e Estados Unidos. O grupo segurador, controlado 100% pelo Banco Bradesco, que lucrou R$ 1,814 bilhão, 16% maior que o de 2018, respondeu por 30,6% do resultado global.
A distância entre o Itaú-Unibanco vem diminuindo, mas ainda é grande, mas os sinais são de que o Bradesco vem recuperando a autoestima e pode se lançar ao sonho de recuperar a liderança. O problema é que o mercado bancário brasileiro ficou tão concentrado, desde que o Itaú comprou o Citibank, em 2017, que não há bancos no horizonte cuja aquisição reduza a distância. O crescimento do Bradesco no 1º trimestre de 2019 foi muito forte. Mas o crescimento orgânico do Santander tem sido ainda maior e deixa o banco de Lazari espremido entre o espanhol e o Itaú.
O salto do lucro do Bradesco
Por qualquer régua que se meça, o lucro do 1º trimestre mostra um padrão de evolução. Pelo lucro líquido recorrente saiu de R$ 4,648 bilhões em 2017 para R$ 5,102 bilhões em 2018 e chegou a R$ 6,238 bilhões em 2019. Um aumento de 24%, sobre igual período do ano passado, ou de 34,2% sobre 2017.
Pelo critério de lucro contábil, que desconta os ganhos fiscais de ágios na compra de outros bancos (sobretudo HSBC), despesas com baixas de valor de ativos na carteira de títulos ou de crédito, a evolução saiu de R$ 4,071 bilhões em 2017, para R$ 4,467 bilhões em 2018 e para R$ 5,820 bilhões este ano. Um salto de 30,29% sobre 2018 e de 44,8% em dois anos.
Que empresa do setor produtivo teve ganhos fiscais tão expressivos quanto as do setor bancário? Vale lembra que a distribuição de dividendos é isenta de impostos e os juros sobre capital próprio pagam baixo imposto. Nem a Suzano, que fez a maior compra do país, ao adquirir a Fibria, em 2018, pode ter tantas vantagens fiscais quanto os bancos brasileiros.
As empresas retomam o crédito
Um dado interessante no balança do Bradesco é que, depois de longa retração (de um lado devido à recessão, que provocou queda dos negócios e aumento da inadimplência, de outro porque muitas grandes empresas, sobretudo na área de construção pesada e na cadeia de fornecedores da Petrobras foram apanhadas na Lava-Jato e entraram em crise) as pessoas jurídicas (empresas) voltaram a ter maior crescimento na tomada de créditos que as pessoas físicas. As operações com empresas cresceram 12,7% sobre abril de 2018, enquanto as com pessoas físicas avançaram 12,6%.
Na carteira de crédito expandida, o total de empréstimos às empresas sempre foi maior e chegou a R$ 348,1 bilhões em março último, correspondendo a 63,5% das operações. As grandes empresas, que representam 45,3% do crédito total, lideraram o crescimento da carteira, com expansão de 14,5%; as pequenas, micro e médias empresas, que representam 18,55 dos empréstimos, tiveram aumento de 8,5% no suprimento do crédito.
Vale dizer que com os juros mais baixos da história (medido pela Taxa Selic a 6,50% ao ano), para as grandes empresas que têm acesso ao mercado de capitais, ficou mais competitivo captar diretamente recursos sem passar pelo crédito bancário, via debêntures ou ações. Abrir o capital para competir com juros baixos é mais vantajoso para o empresário. Quando os juros estão muito altos caem naturalmente as aberturas de capital das empresas.
No caso do Bradesco houve importantes renegociações de crédito e mudança do perfil dos devedores. A inadimplência geral caiu de 4,4% em março de 2018 para 3,23% em março último. Nas micros e pequenas empresas, o índice recuou de 6,1% para 4,19; nas grandes empresas a baixa foi mais expressiva (mais de 50%) de 2% para 0,97%. Nas pessoas físicas, as taxas declinaram de 5,1% para 4,33%.
O filão e o risco das pessoas físicas
As pessoas físicas, que tinham R$ 200,1 bilhões em empréstimos, com 36,5% do total, mostram mais dificuldade de redução dos créditos em atraso pelo próprio perfil dos financiamentos, todos com juros elevadíssimos.
O crédito consignado, que, por ter os juros bancários mais baixos domina as operações, com um total de R$ 53,5 bilhões financiados, teve crescimento de 18,2% no saldo dos empréstimos. Só no 1º trimestre houve crescimento de 5,1% sobre o saldo de dezembro.
Aparentemente, a operação está vinculada ao encolhimento de 4,3% nos créditos do cartão de crédito no trimestre. Com juros muito altos e exigência mínima de quitação de 20% do saldo mensal de despesas do cartão, muitos clientes são empurrados para o crédito pessoal do próprio banco. Por isso, em 12 meses o saldo das operações dos cartões cresceu apenas 4,1%, abaixo dos 4,74% da inflação em 12 meses. Já as operações de crédito pessoal, que somavam R$ 21,688 milhões, tiveram acréscimo de 23,4%, sendo de 9,1% a variação do 1º trimestre.
É verdade que os juros do crédito pessoal são menores que os do parcelamento do cartão. O Bradesco cobrava 110,36% ao ano, no começo de abril, no parcelamento do cartão, enquanto a Bradesco Cartões pedia 146,68%, segundo levantamento do Banco Central. No crédito pessoal, o Bradesco cobrava juros de 98,80% ao ano.
Quando a economia anda de lado, como está agora, com pequena recessão e retomada do desemprego, o risco da inadimplência é alto. O consumidor pode tentar limpar a ficha no SPC, onde já são mais de 63,5 milhões de pessoas com nome sujo, para ficar bem perante o Cadastro Positivo. Mas se os bancos não baixarem os juros por pressão do Banco Central, vem mais inadimplência pela frente: no crédito pessoal e logo, logo no cartão, pois as pessoas com as financeiras apertadas, recorrem aos instrumentos de crédito para consumo mais à mão...