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Salvando o capitalismo dos capitalistas

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As eleições de outubro de 2018 trouxeram à luz um fenômeno político de dimensões transformadoras; um verdadeiro ponto de mutação, para usar a linguagem comum.

Eleitores do Brasil inteiro, unidos em uma mensagem de forte conteúdo ideológico, fizeram uma opção pela mudança, de certo modo radical, na forma de fazer política e do próprio conceito de política, à medida que partidos tradicionais foram praticamente varridos do Congresso Nacional e, pela primeira vez na história, uma eleição foi vencida sem o uso do espaço oficial de campanha e de recursos financeiros abundantes, o que confere ao vencedor uma dupla responsabilidade.

Primeiramente, caberá ao vencedor reafirmar os compromissos de campanha e implementar, de fato, uma agenda liberal, desconstruindo os elos e os grilhões das relações promíscuas entre o Estado e o setor privado, seja pela proximidade incestuosa, com a consequente oferta e distribuição de subsídios e desonerações tributárias, ou pela via da concessão de crédito barato às empresas amigas.

A agenda deve ser ainda complementada de forma prioritária com uma ampla reforma do próprio Estado, com a revisão de planos de cargos e funções administrativas, cortes de redundâncias e extinção de privilégios, em especial do sistema de previdência dos servidores da União Federal, ponto relevante para a racionalização da administração pública, com a extinção de órgãos, ministérios e centros de custos desnecessários.

O Estado agigantado pelas incorporações de funções alheias à prestação de serviços essenciais à população, tais como educação, saúde e segurança, tornou-se uma fonte de ineficiência e perda de produtividade.

O longo processo de recessão que a economia brasileira vive ao longo dos últimos quatro anos, fruto de uma série de tentações e escolhas irracionais, levou a economia a um verdadeiro estado de anemia, uma espécie de letargia, com a perda de confiança e credibilidade e a falência da capacidade do governo em adotar medidas consistentes de equilíbrio fiscal. Uma espiral de desinvestimento público, com queda na taxa de investimento ao nível mais baixo história recente.

Uma avaliação mais realista do quadro da economia, em uma visão de longo prazo, inevitavelmente tem que levar ao diagnóstico da necessidade do realinhamento do Estado, o que poderá se dar mediante privatizações, concessões, arranjos societários pela via de eventuais parcerias público-privadas e abertura da economia ao comércio internacional, em escala e etapas compatíveis com a presença de fortes tentações protecionistas vindas de alguns mercados consumidores parceiros.

Outro ponto de grande importância reside na necessidade de redesenhar os mercados financeiro e de capitais, incentivando de forma cautelosa o desenvolvimento de experimentos relacionados a fintechs e insurtechs, optando por um modelo de oferta de serviços financeiros em condições e prazos mais adequados a um ciclo de recuperação da atividade econômica.

A leitura da agenda pró reformas

Raghuran Rajan e Luigi Zingales, dois professores da escola de Chicago, em livro de divulgação famoso, intitulado “Salvando o Capitalismo dos Capitalistas” , trazem uma defesa ampla e documentada dos benefícios de sistema de livre mercado.

A obra indica que somente mercados financeiros sadios e concorrenciais podem ser uma ferramenta eficaz na difusão de oportunidades, no combate à pobreza e, principalmente, no crescimento econômico. Sem mercados financeiros inovadores, a economia só tende à petrificação e ao declínio.

O livro mostra que grande parte da prosperidade, das inovações e das crescentes oportunidades registradas nas últimas décadas deve ser atribuída ao ressurgimento dos mercados livres, especialmente os financeiros, onde a figura do mercado de capitais, em um conceito amplo, exerce uma importância decisiva.

Em outra obra relevante, os economistas Keneth Rogoff e Carmem Reinhart, “Oito séculos de delírios financeiros” , apresentam uma análise abrangente da ampla diversidade de crises financeiras, e nos orienta ao longo do período de estudo, sobre espantosos casos de calotes de dívidas públicas, de pânicos bancários e de surtos inflacionários, frutos de crises de endividamento, desperdício de dinheiro público e/ou de políticas fiscal e monetária inconsistentes.

Dessa análise emerge o conceito, já bem articulado na literatura econômica, da insustentabilidade da trajetória da relação Dívida/PIB, em percentuais superiores a 80%, fenômeno identificado em países emergentes.

Quanto a esse aspecto, a necessidade de revisão da razão de endividamento como proporção do PIB recomenda a tomada de decisões imediatas para a reversão da tendência, com a adoção de políticas de cortes de despesas e redução do déficit público, no atual momento em percentuais equivalentes a 2,5% a 3,5 % do PIB.

Movimentos bruscos de revisão de Despesas Públicas e cortes de privilégios são temas complexos e de difícil implementação, em função do amplo leque de interesses corporativos e políticos envolvidos.

No entanto, explicitada a situação crítica em que se encontra a economia brasileira, o momento é de convergência nacional em torno da aprovação das chamadas reformas, que, por critérios de elegibilidade política, não podem deixar de observar uma certa ordem sequencial: Reforma Previdenciária, Reforma Tributária (redesenho das atribuições e competências dos entes federativos), Reforma Administrativa (cargos, comissões, órgãos e entidades públicas). Em destaque também se apresenta a imensa necessidade da adoção de um conjunto de ações e políticas voltadas para a agregação de produtividade, com fortalecimento de políticas inclusivas (geração de emprego e abertura de novos negócios).

Os próximos meses serão decisivos na construção de um futuro com menos incertezas e na definição de um ambiente de convergência de interesses e valorização da estabilidade nas relações econômicas.

Sem dúvida, estes são os elementos necessários para a retomada sustentável da atividade econômica e aderência a um ciclo de recuperação econômica e queda no desemprego.