O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Mercado já defende a queda da Selic

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Publicado em 09/03/2023 às 14:06

Alterado em 09/03/2023 às 14:50

Acostumado a acompanhar o mercado financeiro há décadas, penso que ele funciona como biruta de aeroporto. Reage na direção do vento, passivamente. Mas o meu “feeling” de acompanhar os fatos econômicos, sem jamais ter atuado como operador (tive alguns investimentos em ações na 2ª metade dos anos 70, orientado por meu amigo ex-colega de André Maurois, Álvaro Bandeira e vendi para ajudar a pagar o meu sítio, em 1979) enxerga mais o campo macro que o campo micro, ao qual se dedicam analistas de mercado. Sobretudo os que analisam ações e investimentos.

Dito isto, há tempos venho criticando o descompasso entre o nível das taxas básicas de juros e a realidade da economia (inflação bem mais baixa e esfriamento dos negócios e dos empregos pelo aumento do nível real dos juros). A taxa Selic foi fixada em 13,75%, em 3 de agosto. Na ocasião, a economia ainda estava turbinada por Paulo Guedes para tentar reeleger Bolsonaro (os fatos posteriores mostraram desaceleração forte de setembro a dezembro, queda de 0,2% no PIB) e a inflação rodava na faixa dos dois dígitos.

Em fins de junho, quando percebeu que a política monetária, antes de derrubar a inflação, derrubaria a economia e as chances de reeleição, Paulo Guedes deixou o Banco Central de lado e agiu como cirurgião. Sem uso de anestesia e passando por cima de escrúpulos (após pôr seu principal assessor econômico, Adolfo Sachsida, como ministro das Minas e Energia e tomar o controle da Petrobras para suspender os reajustes de combustíveis que minavam a popularidade presidencial), tratou de cortar, até 31 de dezembro, impostos federais da gasolina, item de maior peso entre os 377 pesquisados pelo IBGE no IPCA, do etanol e outros combustíveis, e cortou em 40% os impostos estaduais (ICMS) sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações.

Com a queda destes bens e serviços (houve deflação de 1,2% de julho a setembro), a inflação de 2022 fechou em 5,79%. Como a economia estava turbinada e a inflação gerada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia disparou os preços dos combustíveis, provocou forte arrecadação, o ministro da Economia, além de cortar os impostos, que aliviaram o bolso da classe média alta, tratou de criar bilionário pacotes de bondades para seduzir o eleitor de baixa renda, com o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e mesadas de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos e taxistas.

Mas não adiantou. Lula foi eleito e o Banco Central estourou, pelo 2º ano seguido, o teto da meta de inflação, que era de 5%. Se Bolsonaro fosse reeleito, Guedes começaria a agir para consertar as distorções em 1º de novembro. Como não foi, o país perdeu dois meses, com Bolsonaro inerte, e os dois primeiros meses de 2023, com Lula temeroso de que a reoneração dos combustíveis e da energia provocaria explosão da inflação.

Na verdade, o diagnóstico de Guedes, quando usou a folga da arrecadação para fazer renúncias fiscais e benesses eleitoreiras, estava certo: o Banco Central não seria capaz de derrubar uma inflação importada pelos impactos das retaliações econômicas à Rússia sobre os preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos (Rússia e Ucrânia, que são grandes produtores de milho e trigo saíram do mercado e continuam fora em 2023), pois o cultivo na Ucrânia segue inviável pela guerra.

 

A meta inalcançável

Nesse meio tempo, o Banco Central, cioso da sua independência, manteve o freio de mão puxado, mesmo com a inflação descendo mais um pouco em janeiro para 5,77% e deve ter caído mais um pouco em fevereiro (o IBGE divulga o resultado amanhã). E o mercado não está vendo explosão da inflação para 2023 e 2024, apesar de prever alta de 9,20% este ano nos preços administrados (os itens afetados pelo pacote eleitoreiro de Paulo Guedes).

Mesmo com a economia mais travada – o episódio da Recuperação Judicial da Americanas acendeu o alerta geral na concessão de crédito do sistema financeiro, com grandes bancos fazendo pesadas provisões para devedores duvidosos - a cautela provocou forte restrição na concessão de crédito e vários setores da economia estão emitindo sinais de alarme. A biruta inverteu.

Vejam o que diz o boletim da Genial Investimentos de hoje: “Com a deterioração das condições de crédito no país após o “caso Americanas”, expectativas de um corte na taxa básica de juros foram renovadas. Esse movimento impulsionou os ativos de risco brasileiros, que tiveram um dia positivo”. Vale lembrar que a Genial cerrava fileiras na defesa da independência do Banco Central e asseverava a eficiência da política monetária. E eu sempre disse que a independência não garantia infalibilidade.

O mercado financeiro está procurando justificativas para voltar atrás em apostas e análises. A LCA Consultores, que chamou a atenção, em 14 de fevereiro, para a crise de liquidez provocada pela Americanas, relata hoje que “as notícias de que o arcabouço fiscal está praticamente pronto e deverá ser anunciado em breve aumentaram o otimismo no mercado”, quanto à possibilidade de corte de juros ainda no 1º semestre. E acrescenta: “Com isto, os preços dos ativos financeiros no país tiveram um comportamento positivo, com valorização do real frente ao dólar, aumento dos preços das ações e queda das taxas de juros”. Vejam que ninguém mais fala em meta de inflação.

Aqui pra nós: há um meio do BC acertar a meta de inflação. O país do futebol desistir de uma meta tipo gol de futebol, com 2,44 metros de altura, as medidas da FIFA, e adotar a trave em forma de H do futebol americano, que tem as duas pernas de cima, entre as quais o chutador deve colocar a bola oval, acima de 3,05 metros. Na verdade, a meta do futebol americano, fixa apenas um piso.

 

Americanas gera anemia na captação

Levantamento da Anbima (Associação Brasileiras das Entidades do Mercado de Capitais) revela que o caso Americanas aumentou as incertezas com o cenário econômico e elevou os prêmios riscos na captação de bancos e empresas no mercado de capitais. O resultado foi que fevereiro fechou com baixíssima captação - só R$ 13 bilhões - no mercado doméstico de capitais, uma queda de 73% frente a fevereiro de 2022 (já considerando a inflação do período e o reduzido número de dias uteis em 2023, devido ao Carnaval).

Foi o pior fevereiro desde 2018. As emissões de títulos de renda fixa – debêntures, notas comerciais e promissórias, CRA’s, CRI’s e FIDC’s – somaram R$ 11,2 bilhões (-69% a/a). Esses papéis eram emitidos por empresas ligadas a setores do agronegócio (CRAs), imobiliário (CRIs) e recebíveis (FIDCs), que se enquadravam na cadeia de fornecedores da varejista. E o tombo só não foi maior porque a empresa do trio de referência da Americanas emitiu debêntures para manter a operação em funcionamento.

Não houve emissões primárias de ações, iniciais ou subsequentes, contra R$ 13,2 bilhões em fevereiro do ano passado. Já os instrumentos híbridos de captação (FIAGRO e FII’s) somaram R$ 1,8 bilhão (+72% sobre fevereiro de 2022). Em janeiro, quando vieram à tona as inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões da Americanas, que levaram à Recuperação Judicial, tinha havido captação de R$ 26,1 bilhões. Ou seja, após a RJ houve recuo de 50%.

 

BC põe Americanas no radar

Na Ata da reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), realizada dias 1 e 2 de março e divulgada hoje de manhã, o Banco Central reconhece que “o crescimento do crédito amplo desacelerou nas diferentes modalidades. Nas pessoas físicas, a desaceleração foi maior nas operações de maior risco, como as ligadas a transações de pagamento. Nas pessoas jurídicas, o crédito desacelerou marginalmente. O mercado de capitais reduziu o seu ritmo de expansão [segundo a Anbima encolheu 50% em fevereiro], mas se mantém como fonte relevante de financiamento, principalmente para as grandes empresas”.

E acrescenta que “as provisões [do sistema financeiro] mantiveram-se adequadas, acima das estimativas de perdas esperadas. O aumento das provisões está condizente com a maior materialização de risco, decorrente do crescimento do crédito em modalidades mais arriscadas, do aumento do comprometimento de renda das famílias, da redução da capacidade de pagamento de micro e pequenas empresas, e de casos pontuais em empresas de grande porte [Americanas e outras do varejo]. A materialização de risco deve permanecer elevada no médio prazo, mas critérios mais restritivos nas concessões recentes têm colaborado para arrefecer o crescimento dos ativos problemáticos no crédito às famílias”.

Mesmo com sinais de nuvens pesadas no horizonte, vindas do exterior e do aumento da inadimplência doméstica, com a economia em franca desaceleração, o Comef considerou a situação razoável e sinalizou que o nível do ACCPBrasil continuará em 0% nas próximas reuniões (situação que vem desde 2015, quando foi adotado o padrão de Adicional Contracíclico de Capital Principal relativo ao Brasil (ACCPBrasil). Exigir mais capitalização e/ou aumento de provisões não está no radar. Por enquanto.

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