O OUTRO LADO DA MOEDA
Pré-sal garante margem à Petrobras
Publicado em 01/03/2023 às 16:16
Alterado em 01/03/2023 às 16:16
Estava certo o ex-presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, quando anunciou, em entrevista que fiz com ele, em dezembro de 2018 para o JORNAL DO BRASIL, que tinha voltado às bancas em fevereiro daquele ano, que o foco preferencial da Petrobras seria o pré-sal, pelos elevados volumes de extração em cada campo que permitiam baixos custos operacionais.
Em função dessa estratégia, a companhia se desfez de vários campos em terra e em águas rasas, que tinham custos elevados e cuja operação não era atrativa vis-à-vis os retornos prometidos em qualquer investimento no pré-sal. (por sinal, qualquer alienação de ativos está suspensa pelos próximos 90 dias para a estatal reavaliar a política de gestão de ativos – investimentos e/ou alienações – na transição energética sob a administração de Jean Paul Prates). Obviamente, a companhia precisará reduzir a farra da distribuição de dividendos de 2022, que, incluindo compromissos de 2021, somavam R$ 134,521 bilhões até setembro do ano passado, quase todo o lucro recorrente de R$ 135,037 bilhões até setembro: vendas de ativos foram tidas como lucro!
O desinvestimento, iniciado em 2015, foi feito em cenário de baixa dos preços do petróleo - anterior à pandemia da Covid-19, que derrubou as cotações em 2020, e à invasão da Ucrânia pela Rússia, há um ano, que subiu muito o petróleo, fertilizantes e combustíveis. A Petrobras fez transição inteligente. Pequenas e médias companhias se interessaram por campos em terra na Bahia, caso da Petrorecôncavo, e águas rasas da Bacia de Campos e Nordeste, casos da Prio e 3R Petroleum. Nadaram de braçada em 2021 e 2022. Mas a queda dos preços desde o último trimestre acendeu a luz amarela que passou a vermelha com a decisão do governo de instituir uma taxação provisória (inicial de 4 meses) em 9,2% sobre o petróleo exportado. A arrecadação prevista, de R$ 6,6 bilhões, irá bancar programas sociais.
A Petrobras será a empresa que menos sofrerá com a taxação provisória nas exportações de petróleo bruto. Por isso, ontem seus papéis caíram menos que as das três pequenas petroleiras, que vivem da exportação do óleo cru, como as parceiras internacionais que operam no país. No balanço do 4º trimestre de 2022, que a estatal divulgará esta noite, após o fechamento dos mercados, será possível ver com mais nitidez os impactos. No faturamento da empresa até o 3º trimestre, as receitas de exportação (petróleo e óleo combustível – “bunker”) representavam só 20% (sendo a maior fatia, em torno de 75%, do petróleo). E os preços de referência do petróleo brasileiro estavam em R$ 98,81, (para realização na venda de derivados), enquanto os custos de produção, incluindo fretes e participações governamentais, eram de R$ 25,16. A margem da estatal era largamente confortável e o impacto menos sensível.
O que importa para a companhia são os preços de venda no mercado interno, onde o diesel, produto mais vendido no país, respondeu por 55% das receitas no 3º trimestre de 2022. Mas a economia não pode ser vista pelo sobe e desce do Ibovespa e muito menos pela cotação dos papéis das petroleiras.
Gangorra macroeconômica
O que importa é o efeito macroeconômico das medidas de reoneração dos impostos nos combustíveis (e na energia elétrica e nas comunicações). Quando o então ministro da Economia, Paulo Guedes, fez, em junho de 2022, violenta intervenção nos preços, mediante isenções temporárias e eleitoreiras (até 31 de dezembro) de impostos federais na gasolina e no etanol, e na redução, com o chapéu alheio do ICMS dos estados (transferível em parte aos municípios) sobre combustíveis (além da gasolina e do etanol, o GNV, o diesel e o querosene de aviação) a energia elétrica e as comunicações (o ICMS caiu de 30/31% para 17/18%), não houve tanta grita no mercado financeiro. Quase todos apostavam que a manobra derrubaria a inflação e reelegeria Bolsonaro.
A arrecadação estava elevadíssima (pela inflação causada pelo impacto da guerra nos preços) e Guedes aproveitou para criar benesses eleitorais como o aumento do Auxílio Emergencial de R$ 400 para 600 e a distribuição de seis mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas até dezembro, sem encolher impedir um superávit fiscal do ano.
Mas o mercado esperava que, com a vitória do ex-presidente, já em novembro, Guedes&cia, que desistiram de esperar que a política de juros do Banco Central desse resultado no combate à inflação (antes, asfixiariam a economia), estivessem debruçados em recompor o quadro fiscal de 2023 em 1º de novembro, o que abriria espaço para o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) aliviar as taxas de juros para não comprometer o PIB de 2023.
O corte dos impostos fez a inflação do IPCA (onde a gasolina tem o maior peso entre os 377 itens pesquisados pelo IBGE) descer dos 12,13% em abril para 5,79% em dezembro. Mas nem bastou para reeleger Bolsonaro, nem impediu o Banco Central de estourar novamente, como em 2021, o teto da meta de inflação (que era de 3,50% + tolerância de 1,50 ponto percentual=5,0%).
Nos dois meses da transição, uma bomba relógio se armou para a economia. A União e os estados e municípios necessitavam de recompor as receitas para atender às crescentes demandas sociais que foram a opção dos eleitores que escolheram Lula. Mas a volta dos impostos, que daria tranquilidade ao cenário fiscal (esgarçado por Bolsonaro e Guedes) traria pressões inflacionárias.
O governo que tomaria posse em 1º de janeiro ficou cauteloso, mesmo antes da explosão das tentativas de golpes em 12 de dezembro (quando Lula e Alkmin foram diplomados no TSE) e no domingo seguinte à posse, em 8 de janeiro, quando vândalos e terroristas tomaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Era preciso se inteirar da real situação da economia para agir. Assim, a desoneração da gasolina e álcool foi prorrogada até 28 de fevereiro e a do diesel e do GLP foram estendidas até 31 de dezembro.
Um passo de cada vez
O pacote optou por sistema intermediário. Um passo de cada vez, para cobrir aumento de gastos, como os R$ 6,6 bilhões na nova tabela de isenções do Imposto de Renda a partir de maio (garantidos com a taxação do petróleo exportado), enquanto não se desenha a reforma tributária. Houve recomposição escalonada dos impostos (manteve a isenção do GNV e do querosene de aviação até dezembro) e criou-se colchão para amortecer as elevações/baixas de preços dos derivados nas refinarias.
De acordo com as estimativas do Departamento de Estudos Econômicos do Itaú, essas medidas terão impacto de +35 p.p na inflação imediata (março e abril) e aumento de R$ 26 bilhões na receita do governo até o final do ano. Mas o banco, que projetava IPCA de 6,3% este ano, previu impacto de 0,30 p.p na na inflação de 2023, reduzida a 6,0%. Mas manteve a projeção de que o cenário fiscal terá deficit de 1,4% do PIB no resultado primário (receitas menos despesas, sem considerar os custos da dívida)a ), com poucas mudanças na perspectiva fiscal (o resultado primário seria de -1,4% do PIB, contra -1,6% na visão anterior) mas com um viés descendente devido ao cenário com poucas mudanças nas perspectivas fiscais (cenário atual: resultado primário de -1,4% do PIB, mas com viés descendente devido ao desenho do limite de isenção do imposto de renda anunciado). O banco ressalta que “não espera nenhum aumento adicional no imposto PIS/Cofins este ano”.
Os cálculos mais precisos dos impactos na inflação e nos juros da Selic e no giro da dívida, precisam ser mais bem apurados. De qualquer forma, uma queda de 0,3 p.p, no IPCA pode reduzir a curva de juros de forma acentuada.
Resta saber, como provocou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se o Copom, que tanto cobrava previsibilidade fiscal, vai levar em conta o cenário que reduz a inflação futura e reforça a arrecadação para baixar a taxa Selic, hoje em 13,75%, na reunião de 22 de março. Cada ponto a menos (ou a mais) na Selic implica ônus (ou bônus) de R$ 40,1 bilhões no custo da dívida pública líquida (descontando os papéis na carteira do BC).