O OUTRO LADO DA MOEDA
Racionalidade volta à economia
Publicado em 28/02/2023 às 20:00
Alterado em 28/02/2023 às 23:01
Passados dois meses da posse de Luís Inácio Lula da Silva, o Brasil começa a retornar à racionalidade econômica. Tudo foi atropelado, por incrível que parece, por um dos mais ortodoxos ministros da área econômica. Em maio do ano passado, quando percebeu, com as altas internacionais dos combustíveis e dos alimentos, em função da guerra na Ucrânia, que as chances de reeleição do presidente Jair Bolsonaro estavam se esvaindo e que a alta de juros pelo Banco Central não derrubaria a inflação até outubro (nem em 2023), Paulo Guedes, aproveitando a forte arrecadação (inflação acelerada + PIB em alta) decidiu intervir direto nos preços dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações, mediante a redução dos impostos federais e estaduais.
O principal alvo foi a gasolina, o item de maior peso entre os 377 pesquisados mensalmente pelo IBGE na composição do IPCA (índice de Preços ao Consumidor Amplo, que mede a cesta de despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos). Com a zeragem do PIS/Cofins e da Cide e a redução de mais de 50% no ICMS dos estados até 31 de dezembro de 2022, prazo no qual vigorariam as bondades eleitorais, a gasolina caiu 25% em 2022, Guedes derrubou o IPCA dos 12,13% acumulados em 12 meses em abril, para 5,79%. Mas o Banco Central manteve os juros em alta até 13,75% em 3 de agosto e não conseguiu cumprir o teto máximo da inflação, que era de 5%.
Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, já em novembro, Guedes&cia estariam em campo para recompor as renúncias fiscais de mais de R$ 180 bilhões a partir de julho e agindo para que o retorno do equilíbrio fiscal ajudasse o Banco Central a reduzir a inflação e as expectativas inflacionárias que sustentavam os altos níveis reais dos juros (descontado a inflação), situação que iria asfixiar a economia em 2023. Bolsonaro perdeu para Lula e o país atravessou dois meses sem política econômica (Guedes tirou férias e largou o governo no dia 18 de dezembro, deixando as tratativas com a Equipe de Transição com os auxiliares). Assim, a reoneração dos tributos dos combustíveis, da energia e das comunicações passou a ser um terreno minado para o governo Lula.
Com a reoneração imediata em 1º ou 2 de janeiro, haveria uma recuperação da arrecadação, esfacelada pela renúncia fiscal eleitoreira e direcionada bens consumidos pelas classes média e de maior renda. Mas geraria uma explosão inflacionária que poderia dar munição aos bolsonaristas inconformados com a derrota (o 8 de janeiro seria mais explosivo).
Como o governo Lula se elegeu prometendo mais gastos sociais (que haviam sido cortados por Bolsonaro e Guedes para desviar recursos para o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e a distribuição de seis mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas), haveria pressão por despesas, funcionando como freio de retardo a qualquer iniciativa do Banco Central para relaxar o rigor da política monetária, diante da incerteza do front fiscal. Na União e nos estados, que viram a arrecadação cair no 4º trimestre.
Não restou outra alternativa ao governo do que editar decreto prorrogando a desoneração do diesel e do GLP, usado por 85% dos lares brasileiros, até 31 de dezembro. O diesel, produto mais vendido no país, sendo vital no transporte de carga e no transporte coletivo nas grandes cidades, diante do populismo do governo Bolsonaro passou, pela 1ª vez em 50 anos, a custar menos que um litro de gasolina, numa inversão completa de política social, tudo para agradar ao eleitorado de Bolsonaro. A desoneração aplicada à gasolina, ao querosene de aviação, ao GNV, e ao etanol foi prorrogada até 28 de fevereiro.
Racionalidade energética
Era, portanto, indispensável que o governo devolvesse racionalidade à política de combustíveis. Num momento em que o mundo caminha para o carro elétrico ou com motor híbrido, o Brasil de Bolsonaro, tinha criado o incentivo ao combustível fóssil. Em qualquer bomba de posto de gasolina o litro de álcool estaca custando hoje, 3ª feira, 28 de fevereiro, R$ 4,86, entanto o litro do diesel saía por R$ 5,86. Um absurdo total.
Pior, em função do privilégio à gasolina (para os carros, motos e jet-skis do eleitorado bolsonarista), os preços da gasolina estavam mais caros na refinaria do que os preços do mercado internacional, segundo o sistema de Paridade do Preço Internacional (PPI), os preços do mercado ajustados pela cotação do dólar. Por isso, a gasolina baixou cerca de 3,93% para as distribuidoras e o diesel, em situação semelhante, baixou 1,95% por litro. Para não onerar demais o consumidor, o governo Lula estudou todos os pontos da questão.
A reoneração virá de forma escalonada e diferenciada. A gasolina irá recuperar 75% da carga tributária anterior. Já o etanol, terá cerca de 26% de nível pré-eleição. E a Petrobras ajustou o percentual dos dividendos a serem distribuídos aos acionistas, para fazer um colchão capaz de bancar mais estabilidade aos preços dos combustíveis (exigência dos caminhoneiros desde a greve de maio de 2018) Nos últimos dois anos, o governo Bolsonaro praticamente distribuiu em dividendos 100% do lucro apurado em 2021 e 2022.
Mesmo que parte do resultado fosse engordado pela venda de ativos (e não por resultados operacionais), a empresa, orientada pelo governo, que controla, direta e indiretamente (via sistema BNDES) 51% do capital votante da companhia distribuía esses recursos, usados, como propaganda de eficiência na gestão e também para reforçar o caixa do Tesouro, empenhado em fazer benesses eleitorais aos simpatizantes de Bolsonaro.
A nova orientação (além do colchão, a diretoria da Petrobras pretende reinvestir recursos na transição energética) derrubou as cotações da Petrobras na b3. Petra 4 (PN) caiu 2,33% a R$ 25,54 e Petra 3 (ON) desvalorizou 3,19% para R$ 29,11. Os próximos dias vão devolver racionalidade ao mercado.
Fim da farra dos dividendos?
O cálculo do impacto macro
Além do microcosmo da Petrobras, cujos resultados no 4º trimestre de 2022 serão conhecidos amanhã, após o fechamento dos mercados, e com a orientação mais definida pela nova diretoria e o Conselho de Administração, que vão sendo completados pelo presidente Jean Paul Prates e o governo, é preciso ver as consequências no infinito e além, como diz o desenho animado.
O cenário ideal seria uma trégua na guerra da Rússia com a Ucrânia, que reduziria a escala das “commodities” e dos juros dos bancos centrais. No cenário doméstico, a reoneração dos impostos nos combustíveis fornece maior previsibilidade à carga tributária e ao plano fiscal. As medidas que o governo prevê em reforço da arrecadação (nas cobranças das grandes causas no Carf e no perdão de dívidas às empresas e pessoas físicas em débito) aumentam a receita e reduzem o déficit esperado. Isso tem enorme impacto na trajetória dos juros (há duas semanas o diferencial dos juros futuros vem caindo).
O custo do aumento dos juros tem sido um ônus absurdo para o Tesouro Nacional. Nos últimos 12 meses findos em janeiro, os gastos com juros somaram R$ 620,975 bilhões, aumento superior ao superávit primário (receita menos despesas, sem considerar os custos da dívida pública) de R$ 123,173 bilhões. A escalada dos juros pode ser medida pela comparação entre os gastos com juros da dívida em janeiro de 2022 (gastos líquidos foram de R$ 17,772 bilhões) e os R$ 52,320 bilhões de janeiro deste ano.
Imaginar uma queda dupla dos juros da taxa Selic (atualmente em 13,75% ao ano, para uma inflação de 5,77% - ou 5,90% nas projeções para dezembro deste ano) e na inflação, dá para prever um impacto muito grande na redução das despesas do Tesouro Nacional. Cada 1 ponto percentual (para cima ou para baixo) impacta em R$ 40,1 bilhões o custo da dívida pública líquida do setor público e em R$ 38 bilhões o custo da dívida bruta do setor público.
Cada ponto a mais na inflação do IPCA (ou do IGP-M) gera aumento de R$ 17,5 bilhões na dívida pública líquida. E ainda a desvalorização de 1% na taxa de câmbio gera economia de R$ 7,1 bilhões no custo da dívida líquida e eleva em R$ 9,3 bilhões a dívida bruta. Imaginando uma queda de dois pontos nos juros da dívida, a economia poderia ser superior a R$ 80 bilhões.
Impactos no setor real
O mandato do Banco Central do Brasil, diz que sua função é “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Mas a última parte do mandato não parece estar sendo bem exercido pelo BC, que hoje venceu o mandato de dois de seus diretores (Bruno Serra, de Política Monetária, e Paulo Souza, de Fiscalização.
Ao analisar o panorama da moeda e do crédito em janeiro, segunda a nota distribuída pelo Banco Central na 2ª feira, a LCA Consultores chama a atenção para o fato de que os juros em novas operações vêm crescendo muito este ano, em especial pelo aumento dos “spreads” (diferença entre as taxas de captação e de aplicações pelo Sistema Financeiro Nacional) em reação ao efeito Recuperação Judicial da Americanas, com acréscimo de R$ 20 bilhões em dívidas não contabilizadas, elevando o passivo a R$ 47,9 bilhões.
A LCA aponta que a taxa média de juros (ao ano) das novas concessões às famílias em janeiro voltou a subir após queda de 1,3 p.p. em dezembro. Em janeiro, a taxa passou de 35,4% para 36,0%, a maior desde maio de 2017. A taxa de inadimplência (acima de 90 dias) da carteira total PF avançou para 4,1%, (maior patamar desde abril de 2020, contra 3,9% em dezembro.
Diz a LCA: “Os ‘spreads’ avançaram de maneira mais expressiva neste mês, o que reflete uma maior percepção de risco por parte das instituições financeiras e faz sentido após a eclosão do episódio da Americanas. O aumento nesta leitura foi observado tanto na carteira livre (de 5,9% para 6,1%, maior patamar desde outubro de 2016), quanto para a direcionada (1,3% para 1,5%)”.
E a consultoria adverte que “grande parte desta retração no crédito livre pode ser atribuída à desaceleração na concessão de crédito via Desconto de duplicatas” e que o “caso das Americanas deve ter exercido uma forte influência nesta queda, uma vez que o “risco sacado”, linha em que se encontravam as inconsistências contábeis da empresa, é registrado pelos bancos como modalidade de desconto de duplicatas”.
Para a LCA, “os primeiros dados de 2023 mostram a continuação do movimento de retração do crédito livre. Desconsiderando efeitos sazonais, a concessão de crédito às famílias e às empresas caíram no mês passado. “O rombo bilionário na Americanas deverá ter um efeito na oferta de crédito PJ por parte das instituições financeiras. (...) Alguns sinais de alerta foram ligados, como a redução da participação de desconto de duplicatas no total desembolsado no mês e o aumento do “spread” bancário nas operações de crédito livre PJ”.
A consultoria considera “complicado o momento financeiro que diversas companhias passam atualmente, dado o contexto de elevada taxa de juros e, consequentemente, aumento de sua despesa financeira, associado a uma desaceleração em curso da atividade econômica, com impacto na geração de caixa. Estes fatores afetarão a demanda por crédito das empresas, o que pode levar a uma desaceleração mais forte do saldo de crédito delas”. Ou seja, tudo depende da direção das taxas de juros. Só o Banco Central não percebe.