O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Na explosão da ômicron, Brasil tateia no escuro, sob apagão de dados

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Publicado em 07/01/2022 às 18:59

Alterado em 09/01/2022 às 07:53

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Os números de novos contágios diários pela variante Ômicron são impressionantes em todo o mundo. Nesta 6ª feira, 7 de dezembro, segundo dados do site Bing Covid, lançado em março do ano passado pela Microsoft, compilando dados da OMS, das autoridades de saúde dos Estados Unidos e da Europa e buscas da Wikipedia, o mundo registra 2,545 milhões de novos casos. Só nos EUA foram 727 mil casos (mas só 58,64% dos 320 milhões de americanos receberam a vacinação completa e 24% evitaram qualquer dose).

Mas o que dizer da Espanha? O país com 47,5 milhões de habitantes, com o alto índice de 81,8% totalmente vacinados e 85,86% cobertos com pelo menos uma dose de vacinação) registrou a espantosa cifra de 254.955 novas contaminações hoje. Está bem à frente do Reino Unido, que embora tenha 67,3 milhões de habitantes, dos quais 76,29% tiveram a vacinação completa e 83,2% receberam apenas uma dose, registrou 179.731 novos casos.

O caso da Espanha mostra como a reabertura franca do turismo no país - o país é o 2º maior recebedor de turistas no mundo (antes da pandemia recebia 28 milhões de turistas anualmente, sobretudo europeus) -, diante de sua importante função na economia, pode ter facilitado a disseminação da nova variante.

 

Brasil sem dados confiáveis

E o Brasil, como se apresenta nessa nova onda da crise pandêmica? Os dados oficiais do Brasil, que sempre primou por baixo índice de testagem de sua população (e o exemplo mais flagrante é o Rio de Janeiro, o maior destinado turístico internacional e nacional do país no verão), estão completamente desatualizados desde 9 de dezembro, quando houve o ataque de “hackers” ao DataSus e demais sistemas de armazenamento de dados do Ministério da Saúde. Um mês praticamente se passou e os sistemas não foram normalizados e os dados seguem muito defasados.

Em 9 de dezembro, o Brasil tinha registrado 22,184 milhões de casos (um avanço diário de 7.765 novos casos) e acumulava 616.691 óbitos (234 mortes no dia). Em 7 de janeiro, os casos acumulados chegaram a 22,386 milhões, com 35.826 novos casos nas últimas 24 horas e o total de mortes aumentou para 619.641 pessoas (o apagão impediu o país de fechar 2021 com mais de 620 mil mortes). Em menos de um mês os casos diários se multiplicaram por 4,6 vezes. A mudança de quadro já seria motivo para alarme geral.

O que se vê pelos estados e cidades brasileiros e os casos que são contados por familiares e amigos mostram uma realidade bem mais grave. E o assustador é que as autoridades médicas do país não parecem ter noção do agravamento da situação. A começar pelo presidente da República. Jair Bolsonaro, e seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, agem como se tudo estivesse normal e não houvesse urgência na extensão da vacinação às crianças com idade entre cinco e 11 anos (antes da retomada às aulas).

E Bolsonaro, que parece viver em outro planeta, ou ainda não ter voltado de férias (abortadas pela má deglutição de um camarão, que obstruiu seu intestino) deu seguidas demonstrações, enquanto o DataSus perdeu a eficácia, de ignorar completamente a realidade e ainda afrontá-la. Se insurgiu contra a vacinação em crianças. Protestou quando a Anvisa recomendou restrições ao ingresso de turistas estrangeiros quando surgiram os primeiros casos de Ômicron, na África do Sul (“querem fechar o espaço aéreo?”, protestou.

O resultado da leniência no trato da Covid-19 e na nova cepa da Ômicron foi a explosão dupla de contágios da Covid-19 e da gripe influenza, que já se espalhava pelo país desde o fim de novembro, quando começou a temporada de chuvas no Sudeste e parte do Nordeste e Centro-Oeste. Ainda assim, lamentou, mais uma vez, equivocadamente, a suspensão da temporada de cruzeiros, medida tomada por recomendação da Anvisa.

Os casos dos contágios nos navios cruzeiros que reinauguravam a temporada de verão na costa brasileira (do Nordeste até Santa Catarina) são impressionantes e mostram como o despreparo começa por onde não deveria acontecer: em quase todos os navios em que ocorreram surtos de Covid-19, a maior infestação estava concentrada justamente na tripulação. Ela deveria ser a primeira a ser rigorosamente vacinada e testada.

 

Mau exemplo vem de cima

Se a autoridade máxima do país é a primeira a emitir sinais totalmente equivocados: recusar a vacina, sobre o argumento errôneo de que já foi contaminado (mas pode vir a novamente espalhar o vírus); combater a vacinação e a credibilidade das vacinas e ainda se recusar a usar máscaras (e proclamar a desordem, ao afirmar “máscaras aqui não” [no Palácio do Planalto]. Não se pode esperar uma mobilização firme da sociedade. Que inveja do que fazem os governantes da Europa, dos Estados Unidos ou da distante Austrália, que proibiu a entrada do sérvio Djokovick, inimigo da vacina para disputar o torneio de tênis sem apresentação do atestado de vacinação.

Dois exemplos assustadores estão aqui ao lado a indicar que a cautela e a prevenção são os aliados maiores do combate à pandemia, junto com a vacinação em larga escala. A Argentina, que tem 45,4 milhões de habitantes, ou apenas 21% da população brasileira, mas 80,04% com vacinação completa e 93,12% com uma dose, registrou a impressionante marca de 109.608 contágios, perdendo apenas para os 117.100 (a meu ver, subdimensionado da Índia, que tem 1.380 milhões de habitantes). É um número três vezes maior que o do Brasil, cuja movimentação interna nas festas de fim de ano foi bem maior, com uma população quase cinco vezes a argentina.

O outro caso é da Colômbia. Com 50,3 milhões de habitantes, dos quais 59,85% estão completamente vacinados e 85,3% receberam uma dose, registrou 23.039 casos nas últimas 24 horas. Diante do apagão de informações (e providências) do Ministério da Saúde, recorro ao site do Instituto de Métricas de Saúde de Seattle (EUA). Para o IHME a Rússia de Putin é o caso mais esdrúxulo de sub-notificações de casos e mortes: oficialmente, o país mais extenso do mundo e com 147 milhões de habitantes, registra 313 mil mortes e 16.735 novas contaminações em 24 horas. Pois o IHME considera que o número real de mortes na Rússia (assolada pelo inverno rigoroso) é quase o dobro e supera as do Brasil. As estatísticas oscilam entre 626 mil e 630 mil para a Rússia, contra 624 a 626 mil do Brasil. A Ômicron não está para brincadeira. Nem é admissível que as autoridades marquem bobeira.

 

Macaque in the trees
. (Foto: .)

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