O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Focus: mercado vê 2 altas de 1,25% na Selic

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Publicado em 25/10/2021 às 12:39

Alterado em 25/10/2021 às 12:39

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Com a queda da âncora fiscal, que era o teto dos gastos limitado à atualização dos gastos do ano anterior pela inflação (que já estava disparando a mais de 10%), deslocada a base de 12 meses de junho para dezembro, o que aumenta a boca do jacaré, o mercado financeiro passou a apostar no endurecimento da política monetária para frear a escalada da inflação.

Na pesquisa Focus, divulgada hoje, 25 de outubro, pelo Banco Central, e encerrada 6ª feira, o mercado passou a esperar alta de 1,25 pontos percentuais na taxa Selic na reunião do Copom desta 4ª feira, 27, para 7,50% e nova alta para 8,75% em dezembro. Até então, o mercado previa duas elevações de um ponto percentual.

A economista Ana Paula Vescovi, que foi secretária do Tesouro na gestão de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, no governo Temer, atualmente à frente do Departamento de Estudos Econômicos do Santander vai mais longe: espera alta de 1,50 pontos na Selic da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central. Assim, a taxa fecharia este ano em 9,25% ao ano, mas o processo de alta continuaria até alcançar 10,5% em março de 2022. A projeção anterior era de que o ciclo de alta se encerraria em 9% em março de 2022.

Ela, que antes esperava duas altas de 1 p.p.,justifica a antecipação do tom “hawkish” (contracionista) no comunicado, provavelmente acompanhado de uma sinalização de movimento semelhante em dezembro.(...) Com aumento da incerteza sobre a política econômica, seguimos identificando riscos altistas para nossa estimativa de juro terminal neste ciclo.

Riscos fiscais pressionam câmbio e inflação até 2023

Um dos problemas adicionais do rompimento do teto de gastos, que pressionou a taxa de câmbio, foi a revisão para cima nas projeções da inflação. Na Pesquisa Focus, espera-se agora um IPCA de 8,94% em dezembro, mas as projeções dos últimos dias úteis apontam inflação de 9,05% em 2021 e 4.40% em 2022. O Santander espera 9% este ano e 4,7% em 2022 (antes era 4,3%).

Na Pesquisa Focus, o mercado espera que os preços administrados subam 14,94% este ano, mas apenas 4,20% no ano que vem. Isso parece inconsistente. Mesmo que as chuvas afastem necessidade de racionamento ou altas tarifas de energia em 2022, o efeito da indexação na correção anual de preços administrados tende a empurrar a inflação para cima, pois o ciclo de escalada da inflação vai depender da baixa da taxa de câmbio, ou seja, de apreciação do real.

Riscos até 2023

Ao explicar, na 6ª feira passada o rompimento do teto fiscal, que virou “conversível”, o ministro da Economia deu a pista, dizendo que com a frente fiscal flexibilizada, o Banco Central teria de ser mais incisivo, tomando a dianteira e deixando de correr atrás da inflação. Ou seja, endossou queixas de parte do mercado (e particularmente desta coluna) de que o Copom nunca se antecipou à marcha da inflação – isso acontece desde março, quando subiu em meio ponto a taxa Selic (o mercado esperava 0,25 p.p.; a coluna sugeria choque de 1 ponto ou de 0,75 p.p. para trazer o câmbio abaixo de R$ 5.

Como isso nunca ocorreu (em maio e junho repetiu a dose), o BC saltou para 1 p.p. em agosto, repetindo a dose em setembro (alta igual era esperada em 27 de outubro). O Santander vê dificuldades adicionais do atraso do Banco Central em se antecipar à escalada da inflação (e do câmbio): “O nível e a composição da inflação estão crescentemente desfavoráveis para 2022, e projetamos convergência para o centro da meta apenas em 2023 (a 3,25%). Contudo, começamos a enxergar riscos altistas também para este horizonte”, adverte o banco espanhol, que espera que a Selic caia para 7% no 2º semestre de 2023.

Inflação e juros altos reduzem o PIB

O efeito imediato da alta do dólar e da inflação, que obrigam o Banco Central a elevar mais juros, ou seja, a puxar o freio de mão da economia, é a revisão para baixo das expectativas de crescimento do PIB.

O Santander espera alta de 5,1% este ano e reduziu para 4,9%. Para o ano que vem, apostava em alta de 1,7%, mas reduziu para 1,5% e ainda justifica a expectativa de uma das taxas mais altas: o Itaú espera apenas 0,5%. “Nossa perspectiva para o 2º semestre de 2021 permanece construtiva, com uma reabertura econômica aparentemente segura, em função de um arrefecimento da pandemia após avanços no processo de imunização. Uma trajetória de política monetária mais contracionista e piores condições financeiras nos levaram a reduzir nossa estimativa do PIB em 2022 de 1,7% para 1,5%”, diz o Santander.

Gasolina e diesel inflamam inflação

Se tudo já estava complicado, o novo reajuste para a gasolina (7%) e o diesel (9,5%), a partir de amanhã, nas refinarias da Petrobras joga mais combustível para inflamar a inflação. O presidente Jair Bolsonaro já tinha admitido o novo aumento na 6ª feira. Com o novo aumento, a gasolina acumulará alta de 73,4% nas refinarias este ano. Já o diesel, cuja escalada está motivando movimentos grevistas dos caminhoneiros, vai acumular alta de 63,5% no ano.

O impacto no IPCA de outubro será de menos de uma semana, ficando o impacto praticamente concentrado na inflação de novembro e dezembro (pelo efeito do maior custo do diesel no frete de hortifrutigranjeiros e mercadorias sólidas). Antes do reajuste, o mercado esperava alta de 0,83% no IPCA de outubro, o que manteria a taxa em 12 meses acima de 10,3%, de 0,51% em novembro e de 0,64% em dezembro. Como a taxa foi de 1,35% em dezembro de 2020, sem dúvida, a inflação do IPCA cairá no último mês deste ano. Até, porém, contudo, tudo pode acontecer.

Apertem os cintos, senhores investidores

Para quem está ressabiado com os tombos do Ibovespa, que naturalmente reage à escalada dos juros (o grande inimigo das aplicações em renda variável), porque a âncora fiscal foi levantada e trocou de lugar com o levantamento do teto, sugiro uma consulta no ótimo estudo dos economistas do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, Miryã Bast e Renan Bassoli Diniz – “Como os ativos financeiros se comportaram nos últimos ciclos eleitorais?”. Preparem-se para emoções mais fortes que as descritas no estudo. Sobretudo os investidores seduzidos por cripto investimentos.

O mecanismo do mercado de renda variável continua reagindo à alta de juros não apenas porque passa a haver atrativos de renda com menor risco (ainda que sigam perdendo da inflação, mas no curto prazo, vai haver reversão), mas porque há muitas operações estruturadas nas aplicações dos fundos multimercados. Ou seja, operações futuras contratadas segundo uma trajetória esperada para as taxas Selic.

Quando estas sobem – e as apostas na reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central se dividem entre 1,25% e 1,50% -, é necessário se desfazer rapidamente das posições. A reação de alta do Ibovespa hoje pode indicar que os movimentos vieram dias 21 e 22 da semana passada.

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