O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Adeus aos escrúpulos: do AI-5 ao AB-2

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Publicado em 19/10/2021 às 17:37

Alterado em 19/10/2021 às 17:37

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Em 13 de dezembro de 1968, reunido o Conselho de Segurança Nacional, composto por 24 membros, sendo 14 deles militares, sob o comando do então presidente da República, marechal Arthur da Costa e Silva (que não votou), foi aprovado o Ato Institucional nº 5 (conhecido como AI-5), o mais ditatorial dos atos institucionais do regime militar. Houve apenas um voto contra: o do vice-presidente, o civil, o político e advogado Pedro Aleixo, que era da UDN.

Com maioria dos integrantes de origem militar, a aprovação do endurecimento era certa. Além dos ministros que representavam cada uma das três forças, votaram o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os chefes do EM de cada uma delas, o chefe do Gabinete Militar, o chefe do SNI (general Emilio Garrastazu Médici, que viria a substituir Costa e Silva, após o mandato tampão da “Junta dos Três Patetas”, em outubro de 1969), eram militares Jarbas Passarinho (Trabalho e Previdência Social), Costa Cavalcanti (Minas e Energia), Albuquerque Lima (Interior) e Mário Andreazza (Transportes).

O voto mais notório foi o do 9º, do coronel Jarbas Passarinho. Para contrabalançar o voto contra do vice-presidente e as ressalvas de Magalhães Pinto e Ivo Arzua, que deu o 8º voto, Passarinho foi rebatendo as objeções e exclamou, “às favas com escrúpulos, senhores” (Pedro Aleixo ponderara que o risco não era a arbitrariedade dos membros do governo, mas o poder que iria se arvorar “o guarda da esquina (estava parcialmente correto, mas ignorava a escalada de terror e tortura que fariam os escalões militares).

Cinco dos oito ministros civis, aprovaram, com ressalvas. O 1º a fazê-lo, no 5º pronunciamento, foi o ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto. Os demais que fizeram ressalvas foram Hélio Beltrão (Planejamento), Ivo Arzua (Agricultura), Tarso Dutra (Educação) e Rondon Pacheco (chefe do Gabinete Civil). Todos deixaram o Ministério no governo Médici. Entre os civis que aprovaram estavam Delfim Neto (Fazenda) - o maior beneficiário, pois passou a atuar, de fato, como Czar da Economia -, Gama e Silva (Justiça), Leonel de Miranda (Saúde) e Carlos Simas (Comunicações).

Fura teto e corrupção eleitoral

Pois o ministro da Economia, Paulo Guedes, que desde 2019 vem fustigando ministros gastadores, como Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, como “fura teto”, parece ter se rendido à falta de escrúpulos e, com algumas ressalvas, acabou aprovando, em reunião na tarde de 2ª feira, 18 de outubro, no Palácio do Alvorada, de diversos ministros do governo Bolsonaro, a conversão, turbinada, do Bolsa Família em Auxílio Brasil, com “voucher” mensal reforçado para R$ 300 e o deliberado estouro de mais R$ 100, por fora do teto. O benefício seria temporário: só para o ano eleitoral de 2022.

O desenho do novo modelo que pode ser anunciado logo mais à tarde pelo Palácio do Planalto, mas já foi adiantado pelo ministro da Cidadania, João Roma, merece ser examinado a fundo pelo Tribunal de Costas da União (pois fura o teto de gastos) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (pois pretende aliciar o eleitor a votar pela reeleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2022.

A marquetagem política de tirar o selo do Bolsa Família (instituído no 1º governo Lula, quando os programas sociais do Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, no governo FHC, foram enfeixados num só, após o fiasco do Programa Fome Zero) pretende elevar o contingente de 14 milhões de pessoas que hoje recebem R$ 189 mensais pelo BF para 17 milhões, que passariam a receber o Auxílio Brasil no valor de R$ 300 (dentro do teto de gastos), acrescido do abono temporário de R$ 100 (fora do teto) só no ano eleitoral de 2022. Dessa forma, essa parcela não precisaria cumprir qualquer regra fiscal.

Com a nova roupagem, o custo total do programa passaria a R$ 84 bilhões, dos quais cerca de R$ 30 bilhões seriam fora do teto de gastos. A elevação do piso do Bolsa Família de R$ 189 para R$ 300, custaria R$ 54 bilhões. Para criar uma exceção à regra do teto, seria preciso alterar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, que prevê um limite para o pagamento das despesas decorrentes de decisão judicial.

Guedes avisou

Na reunião no Palácio do Alvorada, Guedes não chegou a votar contra, como Pedro Aleixo, mas fez as ressalvas (como os cinco civis de 1968) recomendadas pela equipe econômica. Esta alertou que desequilíbrios fiscais mais graves poderiam afetar a credibilidade do país. Guedes mencionou o risco de uma desorganização ainda maior no dólar, nos juros e na Bolsa de Valores, com impactos sobre a inflação.

Pessoas com línguas ferinas dizem que Guedes quis manter sua reputação de defensor ferrenho (mas não intransigente) da austeridade fiscal (os escrúpulos já foram para o espaço há muito tempo), mas não se incomodava, na pessoa física com nova escalada do dólar, como previa, isso engordaria suas contas em “off-shore” nas Ilhas Virgens Britânicas, desde 2019 sob comando da mulher, Maria Cristina e da filha Paula.

Dito e feito: o dólar chegou a bater R$ 5,57, com alta de quase 1% pela manhã, quando o Banco Central anunciou o 1º leilão de moeda spot desde março. Os contratos de juros futuros abriram com alta de 20 pontos e logo chegaram a 30 pontos na B3. Já o Ibovespa andou na direção inversa à reação dos mercados acionários no mundo. Abriu a 114.422 pontos, desceu até 111.399 (e às 14 horas estava em baixa de 2,3% a 111.650 pontos. Uma jornada negativa.

Subsídios da União: questão de ponto de vista

Vejam como a ótica muda quando se passa da condição de pedra a vidraça. Fora do governo, quando era um franco atirador de pedras em todos os que sentaram na cadeira da Fazenda/Planejamento ou do Banco Central, Paulo Guedes era um crítico ferrenho dos subsídios creditícios e fiscais, por elevarem o déficit público e distorcerem a “livre concorrência” na economia.

Vidraça, no comando do Ministério da Economia, mudou. A pasta distribuiu ontem o balanço dos “subsídios financeiros e creditícios” de R$ 1,592 trilhão até agosto de 2021, “no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que “também desempenhou papel de especial importância no enfrentamento das consequências da pandemia na economia”, elogia a nota.

O impacto fiscal das operações do PSI envolve o pagamento, pelo Tesouro, de equalização de taxa de juros nos empréstimos concedidos ao setor produtivo pelo BNDES e pela Finep (subsídios explícitos), bem como o custo fiscal dos empréstimos concedidos pelo Tesouro ao BNDES (subsídios implícitos).

Os Subsídios Financeiros de 2021 atingiram R$ 345,185 bilhões (sendo R$ 319,277 bilhões de equalização ao BNDES e R$ 25,907 bilhões à Finep). A equalização banca a diferença entre a taxa de juros recebida pelo financiador nos empréstimos concedidos no âmbito do PSI, acrescida da remuneração do BNDES, dos agentes financeiros por ele credenciados ou da Finep, e a taxa de juros paga pelo mutuário, o que gera desembolsos periódicos de pagamento pelo Tesouro às duas entidades.

Os Subsídios Creditícios somaram R$ 1,247 trilhão. Essa é a diferença entre o custo de captação do Tesouro (Custo TN) – definido metodologicamente como o Custo Médio de Emissão dos Títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi) e o custo contratual dos empréstimos concedidos ao BNDES. É verdade que não estávamos em pandemia, mas por muito menos Dilma Roussef sofreu “impeachment”, quando esses subsídios não declarados (agora elogiados) foram considerados pedaladas fiscais. Agora estão às claras.

A economia reage com a vacina

O Banco Itaú faz um acompanhamento diário da Covid, do avanço da vacinação e suas consequências na recuperação da economia. A relação de causa e efeito entre o aumento da vacinação e a expansão do PIB é clara. Todos estão se recuperando do tombo de 2020. Mas os que se atrasaram na vacinação – caso do México e do Brasil – estão mais lentos. O Peru, com o maior índice de mortalidade (9,1% da população) retoma os 11% perdidos em 2020.

Argentina - vacinou 69,4% de sua população de 45 milhões (ou 31,2 milhões) com a 1ª dose, enquanto 54,6% (24,5 milhões) também receberam a 2ª ou uma vacina de injeção única. O número total de óbitos atingiu 115.666, com 5.272.551 casos confirmados, o que implica mortalidade de 2,2%. Após queda de 9,9% em 2020 PIB deve avançar 7,8% este ano.

Chile - vacinou 84,3% da população de 19,2 milhões (16,1 milhões) com a 1ª dose, enquanto 75,2% (14,4 milhões) receberam a 2ª dose ou uma única vacina injetada. E 22% da população recebeu a dose de reforço (4,22 milhões). O número total de óbitos atingiu 37.609, com 1.670.750 casos confirmados, com taxa de mortalidade de 2,3%. O PIB deve crescer 10,8%, após queda de 5,8% no ano passado.

Colômbia - vacinou 56,1% da população de 51 milhões de habitantes (28,6 milhões) com a 1ª dose, enquanto 37,9% (19,4 milhões) também receberam a 2ª dose ou a vacina de dose única. O total de óbitos atingiu 126.865, com 4.981.532 casos confirmados, o que implica mortalidade de 2,5% da população. Depois de cair 6,8% em 2020, o PIB deve crescer 8,8% este ano.

Brasil - de acordo com dados das secretarias estaduais de saúde, 71,3% dos 213,5 milhões de habitantes (151,6 milhões) foram vacinados com a 1ª dose, enquanto 49,1% (104,4 milhões) receberam a 2ª ou uma vacina de injeção única. O número total de óbitos atingiu 603.990, com 21.666.198 casos confirmados, o que implica uma taxa de mortalidade de 2,8%. Após a queda de 4,1% no ano passado, o Itaú estima crescimento de 5% para o PIB de 2021.

México - vacinou 53,2% de sua população de 129 milhões (68,6 milhões) com a 1ª dose, enquanto 40% (51,6 milhões) receberam a 2ª ou vacina de dose única. O número total de óbitos atingiu 284.321, com 3.755.063 casos confirmados, o que implica uma taxa de mortalidade de 7,6%. O PIB deve crescer 6,1% este ano, sem recuperar o tombo de 8,3% em 2020.

Peru - vacinou 53,5% de sua população de 33 milhões (17,6 milhões) com a 1ª dose, enquanto 42,1% (13,9 milhões) também receberam a 2ª dose ou uma vacina de injeção única. O número total de óbitos atingiu 199.775, com 2.187.368 casos confirmados, o que implica uma taxa de mortalidade de 9,1%. O PIB perdeu 11% em 2020 e deve crescer 11% este ano.

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