O OUTRO LADO DA MOEDA
Brasil: inflação de dois dígitos em metade das cidades
Publicado em 10/08/2021 às 15:36
Alterado em 10/08/2021 às 15:36
Parodiando o jingle das lojas Leader Magazine “Já é Natal na Leader Magazine”, que roda nas rádios e TVs quando acaba outubro, o comportamento acelerado da inflação, medida pelo IPCA (o indicador oficial de inflação, que acompanha as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos – R$ 44 mil -, que, com a alta de 0,96% em julho, a maior para o mês desde 2002, chegou a 8,99% em 12 meses) e o INPC (que mede as despesas das famílias com renda até cinco SM – R$ 5,5 mil -, e subiu 1,02% em julho, chegando a 9,85% em 12 meses), já há inflação de dois dígitos em metade das 16 cidades e regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
Pelo IPCA, a maior inflação é enfrentada pelos moradores de Rio Branco (AC), que acumula 11,97. Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, um dos cinco maiores produtores de grãos e carnes do Brasil vem em 2º lugar, com 11.43%. Curitiba (PR), capital de um dos estados celeiros do Brasil vem em 3º, com 10,94%. São Luiz (MA), Fortaleza (CE), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS) também registraram com inflação de dois dígitos em julho. A média nacional só não passou de 9% porque, estranhamente, o Rio de Janeiro e o Distrito Federal (Brasília), sede do Poder, estão com inflação baixa em 12 meses: 7,25% no Rio e 7,77% em Brasília.
Como são as duas cidades de residência da família Bolsonaro, isto lembra as manipulações da inflação no governo Médici, quando Delfim Neto era ministro da Fazenda. [A inflação era calculada pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas e os preços no atacado tinham peso de 60% e os preços ao consumidor, pesquisados exclusivamente no Rio de Janeiro, 30%, ficando os custos da construção civil, na mesma cidade, com 10% (há muitos anos, depois que o mesmo Delfim Neto, já ministro de Planejamento de Figueiredo, transferiu a pesquisa da inflação para o IBGE, em fins de 1979, o IGP-DI e o IGP-M da FGV passaram a ter ampla pesquisa nacional)].
No governo Médici, para alcançar a meta de reduzir a inflação para 12%, Delfim ordenava reforço no abastecimento de carne, leite e outros produtos críticos nos mercados cariocas para evitar que a inflação estourasse a meta. Com a alta do petróleo em setembro de 1973, a inflação bateu em 13,83%, nos cálculos oficiais, mas em 1974, numa revisão, a FGV encontrou alta de 27% (quase o dobro). Não é o caso atual, mas o calendário dos reajustes de preços públicos (energia elétrica, água e esgoto, principalmente, que são variáveis) está garantindo inflação retardatária nas capitais de maior peso. Em São Paulo, o IPCA acumula 8,38%, aquém da média nacional, de 8,99%.
No cálculo do IPCA Alimentos e Bebidas pesam menos que nos orçamentos das famílias mais pobres, assim como os reajustes de energia elétrica e gás de bujão (GLP). Os dados do INPC de julho, não só aponta para alta de 1,02%, como as despesas com alimentos estão estrangulando os orçamentos. O Pior é que, como sublinhou o Departamento Econômico do Itaú “a dinâmica de inflação de serviços” está “acelerando com a reabertura da economia sem o arrefecimento da inflação de bens”. A inflação subjacente de industriais (0,58%) contou com recuo em higiene pessoal (-0,37% ante 0,68% em junho) e a de serviços (0,49%), com desaceleração de refeição (0,04% ante 0,85%).
O grupo com o maior impacto no mês foi habitação (3,10%, contribuição de 0,48 p.p.), influenciado pela alta da energia elétrica (7,88%) devido ao novo valor da bandeira tarifária vermelha 2, em 1º de julho, que passou a cobrar R$ 9,492 por 100kWh ante R$ 6,243 e reajustes de distribuidoras de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Além disso, os preços do gás de botijão (4,17%) e do gás encanado (0,48%) também apresentaram alta.
O grupo de transportes acelerou de 0,41% em junho para 1,52% em julho, influenciado principalmente pela forte aceleração em passagens aéreas (35,22% ante -5,57%). Combustíveis de veículos também apresentaram alta no mês (1,24% ante 0,87%), com avanço nos preços da gasolina (1,55% ante 0,69%), devido aos reajustes da Petrobras no início de julho. Ainda no grupo, veículos próprios registraram nova alta indo de 0,36% em junho para 0,96% em julho, refletindo gargalos na indústria automotiva, com escassez de semicondutores no mercado levando algumas fábricas a parar a produção.
Alimentação sobe até 20% no “celeiro do mundo”
Alimentação no domicílio acelerou para 0,78% em julho, ante 0,33% no mês passado, devido a piora das condições climáticas que levou a altas nos preços do tomate (18,7%) e cenoura (13,0%). Além disso, frango (3,3%), leite longa vida (3,7%) e carnes (0,8%) também registraram alta no mês.
Em 12 meses o índice acumulado da Alimentação & Bebidas chegou a 13,25% pelo IPCA. Uma vergonha para o “país celeiro do mundo”. Rio Branco (AC) acumulou 21,23% de inflação nos alimentos em 12 meses, seguido por São Luís (MA), com 17,09%, Campo Grande (16,75% e Goiânia, 16,57%. No Rio de Janeiro a alimentação e bebidas acumula alta de 12,25% em 12 meses, superando os 11,87% de São Paulo e os 11.69% do Distrito Federal.
INPC tem 50% das cidades com 2 dígitos
No INPC de julho, os produtos alimentícios subiram 0,66% em julho (0,47% em junho). Já os não alimentícios tiveram alta de 1,13%, contra 0,64% em junho. Rio Branco, que lidera a alta nacional do IPCA, teve o menor índice do mês (0,61%, com as quedas da cebola (-18,44%) e do arroz (-2,24%).
Com isso, a capital do Acre cedeu a Campo Grande o pódio de maior inflação nacional pelo INPC, com 12,58%, contra 12,46% para Rio Branco. A região metropolitana de Curitiba registrou a maior variação (1,82%), acumulando a 3ª taxa anacional em 12 meses (12,11%), influenciada pela energia elétrica (11,68%) e pelos automóveis usados (3,13%).
Itaú espera 0,55% em agosto
O Depec Itaú está com uma projeção preliminar para o IPCA de 0,55% para agosto. Como em agosto do ano passado a taxa foi de apenas 0,24%, se a previsão estiver certa a inflação em 12 meses salta para 9,32%. Para setembro, o Itaú espera taxa de 0,47%. Descontando os 0,64% de setembro de 2020, a taxa anual cairia para 9,14%, mas ainda ficaria acima de 9%.
Só em outubro, quando o Itaú está projetando taxa de 0,41% para o IPCA (que foi de 0,86% em 2020), haveria queda abaixo dos 9%.
Mas o Itaú adverte que “os preços administrados devem pressionar as próximas leituras”. O banco espera “nova alta no valor da bandeira tarifária vermelha 2 para R$ 11,50 por 100kWh no mês de setembro. A projeção do banco para o IPCA 2021 está em 6,9% e para 2022 está em 3,9%.
Bandeiras tarifárias, a incógnita
O Itaú espera bandeira vermelha 2, de agosto a novembro deste ano, e bandeira vermelha 1 em dezembro.
“Tendo em vista o cenário de chuvas abaixo da média no curto prazo, no entanto, há viés para uma bandeira mais alta no final do ano”, adverte.
No cálculo do Itaú, “a adoção de bandeira vermelha 2, em dezembro de 2021, teria impacto adicional entre 0,40 e 0,50 p.p. no IPCA do ano, a depender do novo valor aprovado pela Aneel (entre R$ 9,492 por 100kWh e R$ 11,500 por 100kWh)”.
Ata do Copom: Selic entre 7% e 7,5%
Depoi da Ata do Copom mostrar que as autoridades continuam preocupadas com a perspectiva e os riscos para a inflação, tanto Itaú como Bradesco mantiveram a expectativa de nova alta de 1,0 p.p. na reunião de 22 de setembro para vencer a inércia da inflação.
Enquanto o mercado financeiro, através da Pesquisa Focus indicou que espera a Selic em 7,25% no final do ano, nível mantido em 2022, Bradesco e Itaú divergem sobre a evolução da taxa básica de juros, atualmente em 5,25% ao ano.
O Bradesco destacou que o Copom manteve “a sinalização de que fará o ajuste necessário da Selic, em terreno contracionista, para a convergência da inflação”, condicionando “os próximos passos à evolução da atividade econômica, da taxa de câmbio e das expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária”. Mas o Bradesco manteve “por ora, a expectativa de que a Selic encerre o ano em 7,00%”.
Já o Itaú espera que ele chegue a 7,5% este ano e se mantenha em 2022.