O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Melhor moderar otimismo com o PIB

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Publicado em 09/06/2021 às 17:54

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Há uma semana, no dia 1º de junho, o governo comemorou o crescimento de 1,2% no Produto Interno Bruto do 1º trimestre frente ao 4º trimestre de 2020, descontado efeitos sazonais. O resultado, puxado pelo crescimento de 5,2% do PIB da agropecuária (5,7% com ajuste sazonal) e pela variação de 4,6% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF), deu ilusões e euforias na B3.

A comemoração oficial celebrou a notícia da 1ª página do “Wall Street Journal” de que a economia brasileira havia retornando ao nível anterior à pandemia. Um troco à capa da prestigiosa revista “The Economist”, que, em uma dezena de páginas, mostrava as dificuldades sanitárias do Brasil com a pandemia da Covid-19 e seus impactos sociais e econômicos, com desdobramentos políticos para 2022.

Na semana anterior ao anúncio do IBGE, esta coluna foi das primeiras a anunciar a revisão, para cima, das projeções do Departamento de Estudos Econômicos do Itaú para o PIB de 2021. No começo de maio, o Itaú estimava alta de 3,8%. No dia 21 elevou a projeção para 4% e no dia 28 de maio, elevou para 5%. Mesmo assim, o Itaú errou a previsão do 1º trimestre (+0,6%).

Não há chance de bis no 2º trimestre

Na semana passada, tão logo saíram os bons números do PIB, todos correram a alterar para cima as projeções do ano. Bradesco aumentou de 4% para 4,8%. O Safra, de 3,9% para 4,8%. O Santander, que esperava 3,6%, está reavaliado para mais de 4%. No mercado financeiro chegou a circular uma projeção de que o PIB do ano poderia crescer 7%. “Fake news”. Nenhum departamento econômico de instituição financeira ou consultoria corroborou tal número. A pesquisa Focus do Banco Central elevou o PIB de 3,96% para 4,36%.

E o Itaú, que esperava a repetição no 2º trimestre de alta de 0,6% (que previu para o 1º) reduziu sua projeção para apenas 0,2% no 2º trimestre, após resultados frustrantes na indústria e restrições ainda existentes no segmento de serviços, em função dos riscos da pandemia do Covid-19, face à lentidão do avanço da vacinação, que pode acelerar, efetivamente no 2º semestre. O Bradesco assinalou que a produção automobilística deve ter caído em maio.

Há vários motivos para não se esperar a repetição do bom desempenho do PIB no 2º trimestre:

1 – não haverá novos bons números da safra agrícola (a colheita da soja, de maior peso no PIB agrícola ocorre no 1º trimestre com pequeno resíduo no 2º) e os indicadores de outros produtos importantes, como milho, café, açúcar, laranja, arroz, feijão e carnes são de acomodação e queda de produção (caso de milho, arroz, café e laranja). Incrementos de algodão e carnes não impedirão a queda dos índices trimestrais, como em anos anteriores;

2 – a estatística de FBKF, que inflou o PIB no 1º trimestre com o aumento dos estoques na indústria e no comércio, tende a impactar futuros resultados, até que os estoques sejam absorvidos pelo consumo das famílias e do governo. O departamento econômico do Banco Safra, comandado pelo ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, trata da questão e sublinha que o fim do Auxílio Emergencial agravou a formação de estoques pela queda de consumo, sem a variação dos estoques o PIB “caiu 0,8% (...) em relação ao 4º trimestre do ano passado, com ajuste sazonal”. [acrescento que a inflação corroeu rapidamente o reajuste do salário mínimo – de quem estava empregado]. O Safra considera que a situação “sugere desaquecimento da produção nos próximos meses, exceto se o consumo voltasse a crescer muito fortemente”.

3 – a crise hídrica terá impacto na redução de alguns setores da indústria de transformação de bens eletro-intensivos. Foi mais o excesso de consumo de eletricidade destes setores (estimulados pela alta do dólar e o congelamento das tarifas de energia elétrica, que vigoraria de maio a dezembro) que levou a forte crescimento (15% a 30%) na produção voltada à exportação de alumínio, petroquímicos, minerais não metálicos, celulose, aço e gusa que agravou a estiagem e reduziu o nível de água nos reservatórios das hidrelétricas. Quando o Operador Nacional do Sistema (O.N.S.) percebeu o nível crítico dos reservatórios do Sudeste, a Aneel cancelou a bandeira verde em dezembro e elevou direto para a bandeira vermelha 2. O 1º trimestre teve bandeira amarela. Neste 2º trimestre vigorou a bandeira vermelha 1. Tardiamente, os gestores do setor elétrico vão antecipar o uso das termelétricas (devia ter sido feito já em 2020), para poupar águas nos reservatórios. O país está sob dilema: aplicar a bandeira 2 que eleva para mais de R$ 6 a tarifa de consumo acima de 100 MWH, e vai pressionar a inflação, ou ser forçado a racionamento de energia (vejam em tópico à parte). As duas opções freiam a produção;

4 – a inflação ameaça a renda e a recuperação do consumo. Os números são eloquentes. Por erro de gestão da taxa de câmbio no ano passado, que chegou a subir quase 40%, os produtos agrícolas dispararam no país “celeiro do mundo”. Em setembro de 2020, como decorrência de um excesso de liberalismo, tipo “Laissez faire, laissez aller, laissez passer”, o Brasil teve de importar arroz e soja (!?) para poder fazer óleo, já que os estoques tinham sido zerados, sem que o governo mantivesse estoques reguladores. O Banco Central demorou a segurar o câmbio e a pressão sobre alimentos e preços administrados vinculados ao dólar (derivados de petróleo e energia elétrica, 30% vem de Itaipu, com tarifa regulada em dólar) agora pode exigir uma dose mais forte de elevação de juros o que tende a esfriar o consumo.

Inflação fica acima de 8% até setembro

O resultado da má gestão do câmbio e do atraso na elevação dos juros (só em 17 de março o Comitê de Política Monetária –Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) em 0,75% para 2,75%. A dose foi repetida em maio e deve ser seguida na reunião da próxima semana (15 e 16 de junho). Se a medida tivesse sido tomada em janeiro, mesmo que em movimento menor, o dólar mais baixo - baixou para R$ 5,08 desde junho (dia 1º foi feriado) – poderia ter aliviado os reajustes de alimentos, combustíveis e tarifas de energia elétrica que estão pressionando os preços administrados.

Nesta 4ª feira o IBGE divulgou o IPCA e o INPC de maio. As altas de 0,83% no IPCA (gastos das famílias até 40 salários mínimos - R$ 44 mil) e de 8,90% no INPC (gastos para quem ganha até 5 salários mínimos – R$ 5,5 mil) foram as maiores para o mês em 25 anos. A taxa de 0,83% para o IPCA de maio superou os 0,71% esperados pela média do mercado e fez a inflação em 12 meses saltar de 6,76% para 8,06% (isto porque a taxa fora negativa em 0,38% em maio de 2020). Já o INPC saltou de 7,59% para 8,90% em 12 meses.

Isto é uma má notícia para o Copom, que está com a obrigação de segurar a inflação oficial (IPCA) em 3,75% este ano (centro da meta, com tolerância de mais 1,5 ponto percentual – no limite de 5,25%). Pelo andar da carruagem, a inflação vai ficar acima de 8% até setembro. Antes de sua previsão de 0,68% ser superada, o Itaú esperava 7,5% em setembro.

A água está pesando na inflação

As populações de várias capitais brasileiras já estão enfrentando inflação de dois dígitos no IPCA (Rio Branco-AC, lidera com 11,43%, seguido de Campo Grande-MS, com 10,91, e Curitiba-PR e Fortaleza-CE estão roçando os dois dígitos, com 9,86% e 9,80%, respectivamente. No INPC, que tem mais peso dos alimentos na cesta de despesas da população, Rio Branco lidera com 12,30%, seguido de Campo Grande, com 11,93%. Curitiba vem a seguir, com 10,70%, secundado por Fortaleza (10,28%) e Vitória-ES, com 10,01%.

O dado curioso é que a água, direta ou indiretamente, está influenciando na inflação mensal medida pelo IBGE. Não há abertura no valor da água potável nas 16 capitais e regiões metropolitanos pesquisados pelo Instituto. Mas a energia elétrica (que tem nas usinas hidrelétricas sua principal fonte de geração) subiu 5,37% na Habitação e teve companhia do reajuste de 1,61% de água e esgoto para gerar alta de 1,78% no item no mês (o que mais aumentou no IPCA, contribuindo com 0,28 ponto percentual no índice de 0,83% do IPCA). O GLP subiu 1,24% em maio e o gás encanado teve aumento de 4,58%.

Os produtos agrícolas e animais dependem de água para crescer. Os Alimentos e Bebidas subiram 0,44% e contribuíram com 0,09 ponto no IPCA.

Outra influência do dólar veio da alta de 2,87% na gasolina. Todos os combustíveis pressionaram o item Transportes, que subiu 1,15% (contribuindo com 0,24 p.p. no IPCA). A maior alta veio do GNV, com 23,75%, seguido do etanol com aumento de 12,92%. O diesel subiu 4,61%.

Má gestão da água ameaça o país

Dono de alguns dos maiores aquíferos do mundo, o Brasil, decididamente, gere muito mal sua oferta de água. O problema secular da seca do Nordeste chegou a estar nos planos do Imperador D. Pedro II. Mas até hoje, a transposição das águas do São Francisco para o sertão, iniciada no 2º governo Lula, vem sendo executada a conta-gotas. As obras prosseguiram nos governos Dilma I e II (quando sua candidatura foi lançada em 2010, a promessa era entregar em 2012). Na reeleição em 2014, as promessas foram reiteradas e os prazos (e orçamentos inflados). Uma primeira fase foi inaugurada, sem estar pronta. No governo Temer foram entregues novos trechos, em Pernambuco. O presidente Bolsonaro está tentando apagar o bolo de aniversário, entregando vários trechos, mas a obra ainda não está pronta para levar água ao Ceará.

Lembram quando a ex-presidente Dilma, num discurso confuso (redundante) no Nordeste falou da dificuldade de “estocar o vento”, numa referência à energia eólica? Na época, o NE estava recebendo muitas torres para gerarem energia quando as pás eram movidas pelo vento. O Rio Grande do Norte, situado na “curva” do Brasil na região, recebendo ventos de duas direções, é o grande gerador de energia. Mais da metade dos 6,7 MMW gerados pelas pás movidas a vento do BE vem do RN, que se tornou autossuficiente em energia, num projeto desenvolvido com a participação direta do hoje senador Jean Paulo Prates (PT-RN), líder da Minoria no Senado. Na época de Dilma, faltava essa energia ser acoplada às linhas de energia das companhias estaduais.

Pois já se vão mais de cinco anos que Dilma sofreu impeachment e até hoje as autoridades da área de energia conseguiram tirar proveito da abundância de ventos no NE e da energia solar em qualquer canto do Brasil para que, utilizando essas fontes de energia renováveis, seja possível (aí sim) estocar a água, que é igual a energia futura, nos reservatórios das usinas hidroelétricas.

Na região Nordeste, área da estatal Chesf, há excesso de energia produzida por fontes eólicas (6,3 mil MMW) por dois motivos: 1- em vez de os governos incentivarem a instalação de novas indústrias para aproveitar a energia farta e gerar mais empregos, há perda de fábricas, como as da Ford na Bahia e Ceará; 2- a Chesf não teve autorização para ampliar linhas de transmissão da região para o Sudeste-Centro Oeste, a área que mais consome energia no país. Como já há dificuldades de transferir energia do Norte para o SE-CO, resta comprar energia da Argentina e Uruguai ou acionar antes que seja tarde as termelétricas a gás. Insumo que sobra no Sudeste, mas falta no Nordeste.

Em agosto do ano passado, o presidente Bolsonaro foi a Sergipe “inaugurar” com toda a pompa a Termoelétrica Sergipe. Com capacidade de 1.550 MMW seria um antídoto à falta de energia. Mas segue sem operar (nova turbina está sendo instalada) por falta de gás. E mesmo que gerasse, como a energia gerada seria incorporada ao Sistema Integrado Nacional (SIN), que é uma colcha de retalhos mal costurada?

Erros de planejamento na energia são replicados desde os tempos em que Dilma Roussef era ministra das Minas e Energia e herdou o reforço das usinas térmicas a gás, construídas em reação à crise que levou ao racionamento de energia em 2001 e afundou o PSDB. Por coincidência, a ex-secretária executiva da pasta, Marizete Pereira, segue dando cartas na Eletrobrás. Assim como ex-dirigentes da EPE e o consultor Mário Veiga seguem sendo os gurus da área. O atual ministro, almirante Bento Albuquerque, se fiou na expertise dessas pessoas – já em 2013 foram previstas fortes perdas nas cargas físicas de água dos reservatórios das hidroelétricas, que estão assoreados acima de 30% - e o país está na iminência de ter de adotar o racionamento ou saltar para a bandeira vermelha 2, que vai pressionar os consumidores e a inflação.

O que devia ter sido feito?

O governo (aqui não culpo só o MME, mas o Ministério da Economia também) não percebeu o excesso de consumo de energia (e água, que já interrompeu a operação de navegação nos rios com eclusas em São Paulo, como o Tietê) de alguns segmentos da indústria, que lucraram fartamente na exportação da produção com o dólar em alta e tarifas comprimidas. O O.N.S. devia ter acionado o sinal vermelho e o MME consultado os pares para ver o que fazer.

O acionamento precoce das termelétricas a gás teria poupado água dos reservatórios. E os ganhos extraordinários destes segmentos (assim como setores exportadores do agronegócio) deveriam ter sofrido taxações extraordinárias. Até para cobrir gastos fiscais na pandemia.

Além de ter se omitido, o MME está se deixando seduzir pelo canto da sereia de grandes consumidores, como indústrias de alumínio, aço, celulose e petroquímica, que querem incentivo para fazer uma espécie de racionamento voluntário de energia, reduzindo produção e mudando turnos de trabalhadores para deslocar o consumo energético para horários fora do pico. A energia poupada seria vendida ao governo para ser usada no sistema elétrico.

Tudo errado. Isso devia ter sido feito em agosto de 2020. Agora, a conta vai estourar no bolso do consumidor (de luz) ou de água, via alimentos.