O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Em US$ PIB do Brasil tem a maior queda do mundo: 22,7%

Publicado em 04/03/2021 às 14:49

Alterado em 04/03/2021 às 14:49

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A queda de 4,1% do PIB em 2020, chegou a ser comemorada pela equipe econômica, pois teria sido menor que as previsões mais alarmistas. FMI e OCDE chegaram a prever em maio quedas de dois dígitos. Só três países ficaram positivos na pandemia: Taiwan, cresceu 3,1%; a China +2,3%, porque foi o 1º a sofrer o vírus, no fim de 2019 e conteve a Covid-19 com confinamentos rigorosos, e a surpreendente Turquia, avançou 1,6%. O Brasil teve queda maior que a dos Estados Unidos (-3,5%), mas se saiu melhor que o Japão (-4,8%), México (-8,3%) e a maioria dos europeus: Alemanha (-5,3%), França (-8,1%), Itália (-8,8%), Reino Unido (-9,9%) e Espanha (-11%). Entre os países da América do Sul, teríamos sido melhores que Argentina e Chile (que ainda não apresentaram dados), Colômbia (-6,8%) e Peru (-11,1%).

Mas há uma questão, adverte o economista Manuel Jeremias Leite: como a moeda brasileira desvalorizou muito mais que a taxa de inflação implícita no PIB. Para efeitos estatísticos, as Contas Nacionais do IBGE, que colhe os dados do PIB, usam as taxas médias de câmbio e do IPCA, enquanto os países europeus têm suas moedas ancoradas no Euro (à exceção da lista é o Reino Unido, que desde o ingresso na União Europeia, da qual se divorciou no fim de 2020, manteve a libra como a moeda), e o Japão tem no iene uma das moedas mais estáveis frente ao dólar. Assim, o que deve contar é um critério usado pela OCDE e o FMI: a paridade do poder de compra da moeda.

Medido em dólar, segundo os dados do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, o PIB de 2020 encolheu para US$ 1.451,3 bilhões. Isso representou uma queda espetacular de 22,7% frente aos US$ 1.877,8 bilhões de 2019. Foi a queda do PIB de 4,1% em reais, alinhada à desvalorização do Real que fizeram o Brasil despencar do 9º para o 12º lugar na lista dos maiores PIBs do Mundo, sendo ultrapassado pelo Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

Levantamento da Fundação Getúlio Vargas mostra que entre 31 de janeiro de 2020 e 29 de janeiro de 2021 (com um mês de defasagem para a medição do PIB pelo IBGE, de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2020), o Real acumulou desvalorização de 21,7% frente ao dólar norte-americano, vindo a seguir a Lira turca, com perda de 18,1%. A moeda russa caiu 15,3% e o peso mexicano, 6,5%. Sem mercados confiáveis, o peso argentino e o Bolívar, da Venezuela, não entraram no levantamento. O Euro valorizou 9,6%. O melhor desempenho foi da Coroa sueca (+15,7%), seguido do dólar australiano (+ 14,6%). Destaque para o peso chileno, que valorizou 9,3%, próximo ao desempenho do Euro.

O tamanho real do Agro (que não é tudo)

A cada dia, a campanha institucional da Rede Globo para enaltecer o agronegócio e ‘vender’ crédito rural do Bradesco e pick-ups da Ford, os patrocinadores, mostra uma nova faceta das atividades agroindustriais e repisa: “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”. Sempre me incomodou. Como incomodava, recentemente, o valor excessivo dado à cadeia do petróleo e petroquímica no Brasil (no governo Dilma chegou-se a dizer que o setor responderia para quase 20% do PIB). As versões não batiam com dados do IBGE: 4ª feira, junto com os números do PIB, o IBGE divulgou a participação de cada segmento na formação do Produto Interno Bruto.

Das poucas atividades a crescer, puxada pela expansão de 7,1% da soja, a agropecuária, com alta de 2% não salvou o PIB. Mesmo melhorando sua posição frente à Indústria e aos Serviços, que somaram 93,2%, está longe de “ser tudo”: seu peso, recorde na formação do PIB em 2020, ficou em 6,8%.

A indústria encolheu 3,5% e murchou para 20,4% do PIB (o recorde neste século, de 28,5% foi em 2005). Mas a Indústria de Transformação caiu para 11,3% (recorde de 17,4% em 2005). A Indústria Extrativa Mineral (petróleo&gás e minérios), que escapou da recessão com alta 1,3%, representou apenas 2,9% no PIB (recorde de 4,5% em 2012). A construção civil, que já representou 7% em 2000, encolheu para 3,3% do PIB, com a contração de 7%em 2020. O setor de utilidades públicas (água e esgoto, luz, gás encanado, e comunicações) ficou quase estável, com 2,9% do PIB.

Nos Serviços, que representaram 72,8% do PIB (recorde de 73,5% em 2017), a queda de 4,5% foi puxada pela retração de 5,5% no consumo das famílias que se refletiu na maior restrição aos serviços prestados às famílias que geralmente geravam aglomerações (bares, restaurantes, hotéis, turismo e lazer, além de serviços de higiene, beleza e bem-estar) que tiveram peso de 16,2% no PIB final. O comércio teve peso de 13,8%. Os Serviços financeiros, seguros e atividades correlatas, à frente dos segmentos em crescimento (+4%), pesam 7% no PIB e as Atividades Imobiliárias representaram 10,3% em 2020.

Como se vê, o Agro está longe de ser tudo. Mas o presidente Bolsonaro, ao inaugurar, hoje, trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), voltou a usar falsos argumentos, para condenar as restrições baixadas esta semana nos grandes centros e elogiar o produtor rural que "não parou de trabalhar para botar a comida na mesa dos brasileiros".

O trabalho no campo é ao ar livre, com risco menos de contaminação das variantes do Covid-19. Raramente o produtos rural está envolvido em aglomerações quando planta, cultiva e colhe ou cuida de rebanhos de aves, suínos e bovinos.

Mas para mostrar que ninguém está imune se não se precaver, lavar as mãos com sabão e/ou usar álcool em gel e usar máscaras, quando os caminhoneiros foram colher a safra do Centro-Oeste em 2020, levaram o vírus que antes circulava nas grandes cidades para o interior. Os números de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Bahia explodiram na colheita das safras.

Commodities em alta ameaçam inflação

Ao analisar a alta de 7,0% em fevereiro no índice de commodities IC-Br (levantado pelo Banco Central), com ligeira baixa após 10,6% em janeiro, o Departamento Econômico do Bradesco alerta que os “três componentes do indicador avançaram, seguindo o movimento internacional de elevação das cotações das commodities, além da depreciação do câmbio”.

Os produtos agropecuários subiram 5,6%, puxados pelas altas de óleo de soja, algodão, café e suínos. As commodities metálicas avançaram 8,8%, com acréscimos nos preços de alumínio, minério de ferro e estanho. Já as commodities energéticas tiveram alta mensal de 10,7%, lideradas pelo avanço da cotação do petróleo Brent. O Bradesco teme que as taxas do IPCA em 12 meses cheguem a 7% em maio.

A tua presença na fila da exclusão

Caetano Veloso, quando exilado em Londres, junto com Gilberto Gil, no começo dos anos 70 (governo do general Médici, período mais duro da Ditadura), mandou música para a irmã Maria Bethânia, chamada “A Tua Presença”, inspirada na fé na Padroeira do Brasil, a Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem negra encontrada no fundo do rio Paraíba do Sul por pescadores deu origem ao Santuário às margens da Via Dutra, que liga o Rio a São Paulo. Saudosa da pátria, a letra dizia “A tua presença é negra/ É negra, negra, negra”. Fernanda Abreu e vários outros artistas gravaram a música, com releitura da expressão.

Pois as estatísticas do IBGE mostram que a situação já era ruim para as mulheres pretas ou pardas em 2019. Da pandemia para cá só fez piorar. Em 2019, enquanto 89,2% dos homens na faixa de 25 a 49 anos estavam ocupados, entre as mulheres desta faixa e vivendo com crianças de até 3 anos de idade apenas 54,6% tinha emprego. Mesmo quando não tinham crianças para cuidar, só 67,2% das mulheres tinham trabalho, contra 83,4% dos homens.

Quando o foco eram as mulheres pretas ou pardas com crianças de até 3 anos de idade no domicílio só 49,7% tinham ocupação. Mas na hora de cuidar dos afazeres domésticos, as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo que os homens: 21,4 horas contra 11 horas semanais. A proporção em trabalho parcial (até 30 horas semanais) também era maior: 29,6% entre as mulheres e 15,6% entre os homens.

Só apelando para a Padroeira ajudar na escolha de políticos que promovam políticas educacionais e afirmativas para o avanço da posição social feminina. Mas a mulher precisa participar mais da política. Em 2018, além da cota de 20% para as candidatas não ter sido preenchida, a composição da Câmara e do Senado refletiu o efeito Bolsonaro.

Para se ver o grande fosso a ser superado, mesmo com mais escolaridade que os homens, as mulheres só ocupavam 37,4% dos cargos gerenciais e recebiam 77,7% do rendimento deles.