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Polêmica Necessária

Miguel Paiva -
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Tenho ouvido muitas críticas sobre a programação do Theatro Municipal e da Sala Cecília Meireles. Uma das principais queixas é o excesso de música popular na programação desses dois teatros. Afinal, o Theatro Municipal e a Sala Cecília Meireles devem ser palcos somente para a música clássica ou devem também incluir concertos de música popular? Abaixo alguns depoimentos a respeito, e quem quiser contribuir opinando, escreva para o e-mail acima no início da coluna.

Um dos motivos principais para defender a inclusão de concertos de música popular seria a falta de verbas, pois ampliando o gênero da programação, surgem mais opções de concertos e, como todos sabem, a manutenção de um teatro exige recursos, inclusive para se contratar artistas. Montar uma ópera então, é uma fortuna! No entanto, até que ponto esses teatros podem e devem ser palcos para espetáculos como “Celtic Woman”, por exemplo, que acontece em agosto no Municipal? Aldo Mussi, diretor da Sala Cecília Meireles e do Theatro Municipal, responde: “Nossa prioridade são os concertos de música clássica, mas é com o aluguel do teatro para alguns eventos como este que poderemos montar a ópera de Gonoud no mês que vem”. Fato é que o espetáculo Celtic Woman, trazido ao Brasil pela empresa Poladian Produções, ficaria muito mais adequado num show em Las Vegas ou no Maracanã, até pelos milhares de fãs que as cantoras irlandesas atraem. É muita pipoca amanteigada para as cadeiras aveludadas do Municipal. Preconceito? Não. Questão de Educação. Não é somente de verbas para montar espetáculos que precisamos, é preciso educar quem vai aos teatros e Celtic Woman é uma porta para a deseducação em todos níveis que posso imaginar. Tem gosto e lugar para tudo, mas uma coisa é certa: quem gosta de música clássica prefere um concerto em que se ouve a música sem muitos ruídos ao redor, como de um público conversando, comendo pipoca e com celulares ligados, atitudes muito mais aceitáveis num espetáculo de música popular ou em lugares como o Maracanã.

Macaque in the trees
(Foto: Miguel Paiva)

Seguem alguns depoimentos de pessoas ligadas ao Theatro Municipal e à Sala Cecília Meireles.

João Guilherme Ripper (compositor e ex-diretor da Sala Cecília Meireles e do Theatro Municipal): “A Sala foi criada em 1965 para música de câmara, pois não havia um lugar ideal e o Theatro Municipal foi criado para receber óperas, ballets e concertos. Este foi o propósito e está na lei, existe uma missão institucional e artística que é consagrada pela sua atuação e história. Entendo que tudo é uma questão de equilíbrio, pode-se fazer música popular de boa qualidade. Eu quando estava na Sala Cecília Meireles tinha uma série de jazz e uma de choro, mas não pode ser um percentual alto da programação. O núcleo duro da programação tem que ser de música de câmara ou de pequenas orquestras pois é o único lugar no Rio de Janeiro em que elas podem se apresentar, enquanto que para a música popular há inúmeros outros lugares. Não é somente uma questão de verbas, é necessária uma proposta de programação. Por exemplo, pode-se fazer coisas como trazer algum solista em parceria com a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e dividir os custos. Tem que ter grande parte da programação prevista, anunciada e executada.”

Luíza Alvim (doutora em Comunicação e fazendo pós-doutorado em Música): “Sou frequentadora da Sala desde muito antes da reforma. Frequento o Theatro Municipal há quase 30 anos. Acho que a música popular deve ser o mínimo possível, já que a música clássica não tem outros espaços adequados, além de depender de uma boa acústica (caso da Sala Cecília Meireles). A música popular funciona em espaços com microfone, são condições de acústica muito diferentes. É com muito pesar que venho deixando de frequentar a Sala Cecília Meireles por causa da ausência de música clássica em sua programação. Sem falar na falta de artistas consagrados, embora entenda que haja problemas financeiros também. O jazz sempre esteve na Cecília Meireles, mas tem outros espaços também. Não necessariamente alguém que gosta de música clássica gosta de jazz. É o meu caso e fico com menos opções ainda de frequentar a sala. Tem que haver uma curadoria de música clássica desenvolvida por alguém que entenda e seja do meio. Uma coisa é certa: as pessoas que gostam de música clássica ficaram órfãs no Rio de Janeiro. Eu me sinto uma exilada cultural. Enfrento toda a violência do Rio para ter a compensação de uma mínima programação de música clássica. Agora, está começando a ficar abaixo do mínimo aceitável.”

Alexandre Caldi (compositor, saxofonista e flautista): “Eu acho que o ideal é mesclar música clássica e popular, mas buscando a excelência (o que não tem nada a ver com preconceito musical). Palcos nobres têm que ter atrações de alto nível para quem está disposto a escutar música sentado na cadeira. A fronteira entre essas categorias da música está cada vez mais tênue, as próprias orquestras estão investindo em programas populares para não perderem público.”

Há muitas outras questões que envolvem este tema, não somente de fazer uma programação que tenha mais a cara das Casas, mas construir junto com o público uma conexão que já existiu, de orgulho em ter dois lugares que são templos da música para o Rio de Janeiro. 

NOTAS e ACORDES

- Começa hoje o SomaRumor: Encontro Latino-Americano de Arte Sonora, que acontecerá até o dia 30 de junho, reunindo artistas e pesquisadores de diferentes países em uma programação que inclui seminários, oficinas, exposições e homenagens aos artistas Guilherme Vaz e Vania Dantas Leite.

Uma das várias palestras será “Quatro fábulas sobre a escuta”, com Rodolfo Caesar, sexta-feira às 9:30h. Às 11h do mesmo dia, haverá uma mesa redonda: “Escuta como Cognição: o olho atrapalha”, com Moira Braga, Rodolfo Caesar, Ernesto Neto e mediação de Tato Taborda. Local: Auditório MAR.

Mais informações sobre o evento no endereço: http://www.artes.uff.br/somarumor/

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