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Béla Bartók

reprodução -
Béla Bartók
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Todos temos nossos compositores preferidos, músicas mais queridas etc. Um de meus compositores mais amados, foi amor à primeira vista mesmo, é o húngaro Béla Bartók (1881-1945). Minto, demorou até que eu o amasse como hoje. Na verdade, meu primeiro encontro com Bartók foi meio leviano, não percebi de quem estava diante. Acho que era jovem e imatura demais. Foi aos 14 anos que ouvi falar em Bartók. Meu professor de piano, Homero Magalhães, um dos homens mais cultos em música que conheci, me mandou comprar a partitura do “Mikrokosmos”, volume 1 (são peças para piano reunidas em seis volumes). Fui à Rua da Carioca e voltei com a partitura para casa (naquela época ia-se comprar partituras em lojas). Sentei-me ao piano, tentei ler umas linhas e cinco minutos depois fui para praia. Achei a música difícil e chata demais para prender minha atenção. Meu professor, no entanto, não desistiu e com muita paciência, me convenceu a estudar algumas peças do Mikrokosmos. Hoje sei porque não gostei de estudá-las inicialmente e porque eram tão difíceis de decorar. Não são peças baseadas completamente nas escalas maiores e menores (escala é uma sequência ordenada de notas como, por exemplo, a escala de Dó maior: dó-ré-mi-fá-sol-lá-si-dó). A música de Bartók usa várias outras escalas que não as maiores e menores, usa escalas modais, pentatônicas (escalas com cinco notas), ciganas (escalas húngaras) e outras mais. Além do mais, Bartók compôs usando a música folclórica húngara como inspiração, que possui sons não usuais para os nossos ouvidos acostumados com Beethoven e música popular, baseada nas escalas maiores e menores (tonalidades maior e menor). Ou seja, ouvir Bartók exige uma curiosidade por sons e ritmos diferentes dos do cotidiano. Por isso minha dificuldade quando jovem para apreendê-lo. Uma vez o ouvido familiarizado com escalas mais exóticas, o Mikrokosmos torna-se então um dos conjuntos de peças para piano mais geniais da história. Tão genial quanto os estudos de Chopin, estes mais fáceis de serem assimilados, pois são baseados nas manjadas escalas maiores e menores.

Macaque in the trees
Béla Bartók (Foto: reprodução)

O Mikrokosmos tem 153 peças reunidas em seis volumes. Bartók os descreveu como um ciclo didático que inicia com peças mais fáceis, indo gradativamente a níveis maiores de dificuldade técnica. Hoje em dia são feitas apresentações com todas as peças sendo tocadas num único concerto! Acho demais para alguns. Apesar de serem peças curtas, ouvir 153 peças sem interrupção exige uma paixão de amante do compositor. Esqueci Bartók na adolescência. Reencontrei-o aos 19 anos.

Fui ao cinema ver “O Iluminado”, de Kubrick. Não exagero em dizer que fiquei alucinada. Achei que tinha me apaixonado definitivamente por Kubrick. Fui rever o filme e, apesar de gostar imensamente, descobri que a razão do meu êxtase não era propriamente o filme e sim o que estava no letreiro dos créditos finais: “Música para Cordas, Percussão e Celesta”, de Bartók. A peça é escrita em quatro movimentos para instrumentos de cordas, percussão (gongo, xilofone, címbalo tímpano, etc) e celesta (um instrumento que se parece com um pequeno piano, mas que vibra ao martelar em lâminas de metal) e há também um piano, que pode ser considerado tanto instrumento de cordas quanto como de percussão, talvez até como da família da celesta. Os movimentos, com diversos climas diferentes, passam de lentos e calmos a intensas explosões sonoras, de alegres e leves a um peso capaz de soterrar os dias mais luminosos. Tudo isto amarrado matematicamente na “ Sequência de Fibonacci”, que Bartók utilizou para estruturar esta obra, que não à toa não tem qualquer título como “sinfonia”, “concerto” ou outra forma musical. É simplesmente Música.