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Carta a Bolsonaro

Reprodução -
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Não sei se o Presidente está ciente, mas há parte de seu eleitorado que é fã de música clássica. Então sua manifestação de acabar com o Ministério da Cultura está em completa desarmonia com boa parte de seus eleitores e centenas de orquestras, escolas e tantos projetos Brasil afora que se dedicam à música e que precisam de empenho até maior do que tem sido o de governos anteriores. Formar um músico exige trabalho. Mais do que que se imagina. Não basta uma criança talentosa e uma família. São necessários muitos professores, escolas, anos de estudos, a música como currículo escolar. Caso contrário não se tem um país com boas orquestras e grandes músicos. Não se tem teatros com óperas e danças. Não se tem música.

Acho que não errarei em dizer que mesmo que o Presidente não seja um aficionado por música, talvez se emocionasse, em sua época no quartel, ao soar do Hino Nacional Brasileiro. E agora, como Presidente, o Hino continuará integrando seu cotidiano. Não somente o Hino brasileiro, mas os de outras nações! Imagine, Trump o recebendo em Washington: parte da recepção certamente incluirá os dois presidentes lado a lado, compenetradamente a escutar os hinos brasileiro e americano. O Presidente verá então bandas com músicos fabulosos executando canções e hinos. E com sensibilidade notará quão mais afinada é uma banda americana comparada às bandas brasileiras que ouviu nos eventos militares de sua vida.

O que fazer quando Trump, em retribuição, vier ao Brasil? Apresentaremos uma banda desafinada? O presidente tem falado em cortes na cultura. Assim corremos o sério risco de não encontrar músicos aptos a executar qualquer peça, e em poucos anos nem para tocar raquiticamente nosso Hino. O cenário que se vislumbra em suas afirmações é de temer pela sobrevivência de orquestras e tudo mais que gire em torno da produção musical de qualidade. O Presidente já mencionou algumas vezes ser contra as leis de incentivo e ONGs. Peço ao Presidente que reflita sobre a formação de um músico num país sem incentivos à sua sobrevivência: há no Brasil diversos projetos que ensinam música a crianças e adolescentes em comunidades carentes e necessitam de investimento. Em troca, milhares de crianças são afastadas de uma vida violenta nas favelas por se dedicarem a seus instrumentos. Em todos os países do mundo que valorizam a cultura há investimentos colossais nesta área, até porque são lucrativos e geram empregos em várias escalas da sociedade: desde o faxineiro do teatro até o músico solista que ganha milhões em qualquer parte do mundo. Ou seja, há uma roda da fortuna na música que não se deve deixar enferrujar.

Voltando às recordações do quartel, lembra daquela corneta militar (às vezes um trompete) que o acordava? É quase seguro afirmar que o soldado com a corneta aprendeu a tocá-la em alguma destas ONGs, em algum projeto para levar cultura à população. Não posso imaginar que o Presidente queira estas cornetas mais desafinadas do que já são. Os instrumentos de sopro são parte essencial das orquestras e mal tocados fazem toda a diferença na qualidade de som de um conjunto. É necessário ensinar a tocar corneta - e bem! É preciso se ensinar música nas escolas, pois é de pequeno que se forma um verdadeiro soldado e um verdadeiro músico.

Caso não se invista em educação musical, não seremos sequer capazes de cantar um Hino com a musicalidade com que se canta em outros países. Vexame que não precisamos passar. Menos ainda quando formos aliados dos EUA na invasão à Venezuela, para salvá-la, e teremos de nos submeter ao canto dos yankees, que marcharão orgulhosamente sobre as terras estrangeiras cantando seu hino com suas cornetas reluzentes acompanhado do raquítico assobio de nossos soldados. Não precisamos disto, Presidente! Temos o nosso Hino. Invista nele!

Macaque in the trees
. (Foto: Reprodução)