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Música e Eleição

T. Faber/Divulgação -
T. Faber/Divulgação
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Dizem que religião, futebol e política não se discutem. Alguns incluem música também no rol do indiscutível, argumento que se protege sob a frase: ‘gosto não se discute’. Afinal, gosto se discute ou não? Alguém muda de gosto? O que faz uma pessoa gostar de uma determinada música, escolher uma religião, preferir um candidato, adorar ou odiar um filme, etc? Há pistas de que muitos de nossos gostos vieram do que nos rodeou na infância, do caráter particular de cada pessoa, de algo que faça alguém mais sensível a um prazer ou a uma carência, etc. O compositor Pierre Boulez (1925- 2016) em seu escrito “O gosto e a função” aborda o tema de forma a mostrar que nada é mais democrático que o gosto: “Como cada um sabe, o bom senso e o bom gosto são as coisas do mundo mais bem repartidas; ninguém confessará que, a seu ver, tem menos bom senso do que o seu vizinho; também lhe surgiria como derradeira infâmia proclamarse abertamente inferior em questões de gosto. Faça a experiência! Pergunte a alguém, mesmo nas mais atrozes circunstâncias, se ele julga ter mau gosto”. Todo mundo tem um gosto e o considera o melhor. Caso contrário, nada seria mais fácil do que mudar de gosto. Há gosto para tudo e para todos. É só escolher, e é de graça. Nada mais democrático.

Mas há um bom gosto que seja único? Há algo que todos achem belo? Que seja unânime? Como saber o que é realmente bom ou mau, belo ou feio? Qual é a música mais bonita, o melhor candidato? Por que escolhemos um time e execramos o outro? Não deveria ser uma questão de disputas: eu gosto de Bartok, fulano de funk, sicrano de Beethoven. Há de ter um critério para definir o belo, o mais justo, o de melhor qualidade, que não esteja sujeito meramente à subjetividade de cada um. Socorrendo-me novamente em Boulez, que faz referência a Rousseau: “Pode discutirse, diz ele, acerca deste gosto, porque nenhum existe que seja verdadeiro: mas não vejo outro meio de pôr fim à disputa a não ser o de contar os votos, mesmo quando não se está de acordo com a voz da natureza.”

Pois o que é o aplauso num espetáculo, senão o voto de uma comunidade que ratifica o próprio gosto? Quem vamos ratificar nestas eleições? Onde está o bom gosto? Quem é o melhor candidato? Fica a curiosidade, para além de nossos gostos: qual deve ser a música preferida de Bolsonaro e Haddad?

Notas e Acordes

Um CD lançado este ano e apropriado para tempos conflituosos é “Romance de guerre”, disponível também no Spotify e iTtunes: um álbum com peças de Dale, Elgar, Fairchild e Gaubert, e interpretações de absoluto bom gosto do violinista francês Ambroise Aubrun e do pianista belga Steven Vanhauwaert. As peças foram reunidas neste álbum, pelo atributo de terem sido compostas durante a Primeira Guerra Mundial.

Como foi a escolha das peças? Afinal não são peças muito conhecidas.

Ambroise Aubrun: Foi uma colaboração. Eu conhecia o trabalho de Gaubert para flauta e, pesquisando sua música para violino, achei a Sonata, que eu amo! Steven sempre foi apaixonado por Elgar e queria gravá-lo e o diretor do selo sugeriu gravarmos Fairchild, que nós não conhecíamos, mas de que gostamos à primeira audição. Como todas as peças se encaixavam na coleção sobre a Primeira Guerra, foi perfeito.

Macaque in the trees
T. Faber/Divulgação (Foto: T. Faber/Divulgação)