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Empresas de tecnologia na mira de governantes

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Por muitos anos, as empresas de tecnologia estiveram sempre um passo à frente dos governantes. O lema “Mova-se rápido e quebre as coisas”, de Mark Zuckerberg, fundador/CEO do Facebook, inspirou não só a rede social como milhares de outras startups que surgiram nos últimos anos. Tratava-se de uma forma de mostrar que as novas gerações de empresas simplesmente não podiam esperar para se adaptar às regulações; as regulações que deveriam se adaptar a elas. Esta Era, entretanto, parece ter chegado ao fim. Governos de todo o mundo resolveram entrar em cena e têm como alvo justamente as chamadas Big Techs.

O papel destas companhias na sociedade vem sendo questionado há algum tempo, mas isto se intensificou após o escândalo da Cambridge Analytica vir à tona, em março de 2018, com suspeitas de interferências nas eleições dos EUA e no referendo do Brexit. Se o problema fosse somente o vazamento e a privacidade de dados, já seria grave. No entanto, a questão vai bem além: o Twitter vem sendo uma ferramenta para propagação de discursos de ódio; o Youtube hospeda vídeos com teorias da conspiração, além de ser acusado de ter conteúdos não recomendados para menores até mesmo em sua versão exclusiva para crianças; e o Whatsapp foi um meio de disseminação de fake news nas eleições do Brasil e em países como Myanmar e Índia, onde, inclusive, foi responsabilizado por ondas de violência.

Porém, o ápice do uso destas plataformas para difusão de conteúdos impróprios e violentos foi o atentado do mês passado na Nova Zelândia, onde um terrorista matou 50 pessoas, transmitindo tudo ao vivo pelo Facebook. Apesar do vídeo original ter sido visto por apenas 4 mil pessoas, milhões de outras versões se espalharam rapidamente por diversos sites, que tiveram muita dificuldade em identifica-los e derruba-los, o que evidenciou falhas no controle sobre o que é postado.

Os casos acima despertaram reações de diversos governos. No início deste mês, a Austrália aprovou lei que responsabiliza empresas de tecnologia pelo conteúdo exposto em suas plataformas, como vídeos que contém atos de terrorismo, assassinato, estupro ou sequestro. Companhias que não retirarem tal conteúdo de forma rápida (não foi definido um prazo exato, no entanto) podem ser multadas em até 10% de seu lucro anual e os executivos presos por até três anos. Na Nova Zelândia, há uma pressão para que se siga o mesmo caminho. No Reino Unido, uma proposta de lei apresentada esta semana também pretende multar e responsabilizar criminalmente executivos de Big Techs pelo que é postado em suas mídias. A proposta será discutida por 12 semanas antes de se decidir se segue em frente ou não. Na Alemanha, uma lei similar, em vigor desde 2018, obriga as empresas a retirar conteúdo ilegal em 24 horas, podendo ser multadas em 50 milhões de euros se falharem. A França quer a aprovação de uma lei que pune companhias de tecnologia que não removam discursos de ódio em pouco tempo. Em Cingapura, há uma proposta em tramitação para combater a propagação de notícias falsas em redes sociais, que pode punir financeiramente e com prisão indivíduos e empresas.

Tais iniciativas, no entanto, são como trocar um pneu com o carro andando. Muitas delas foram feitas de forma rápida, sem consultas a partes importantes da sociedade, o que levou a várias críticas sobre possíveis censuras à liberdade de expressão. Nos EUA, a discussão está mais focada no tamanho das Big Techs (e no grande poder que elas possuem), do que no conteúdo propagado pelas mesmas, até pelo fato da liberdade de expressão ser algo bem resguardado pela Constituição local. Ao menos duas pré-candidatas à presidência do país – Elizabeth Warren e Amy Klobuchar, ambas do Partido Democrata – falam em fragmentar estas grandes empresas, impedindo monopólios, além de aumentar impostos e enrijecer a regulamentação sobre o uso de dados de usuários.

Não deixa de ser irônico que, aquelas companhias que surgiram “quebrando as coisas”, estejam agora na mira para elas mesmas serem “quebradas” pelos governantes. A discussão ainda será longa em todo o mundo, então só nos resta aguardar os próximos capítulos.