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"O que diferencia namoro de união estável é a vontade de constituir família"

Entrevista com a advogada Bianca Meres Theers

Divulgação -
Bianca Theers orienta sobre as necessidades de um "Contrato de namoro"
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Volta e meia ouço dizer de algum amigo, ou de alguma amiga, que assinou um “Contrato de namoro” para “se resguardar” de eventuais litígios futuros, que possam colocar em risco seu patrimônio. Trata-se de uma inovação de alguns advogados, insistentemente solicitados a isso por clientes inseguros diante das transformações constantes no âmbito jurídico e, mesmo, sujeitos a interpretações variadas de suas relações por magistrados.

Nesse cenário de “tudo é possível” em que se transformaram as relações amorosas, perdendo-se a noção do que é, e do que não é, e de qual é o tempo legal para uma relação possibilitar ao parceiro (cacho, caso, ficante, paquera ou o que for) direito sobre os bens do outro, o “Contrato de namoro” acabou se transformando em fórmula corriqueira de defesa patrimonial e de expressão do amor, neste novo milênio brasileiro. Os namoros apresentam uma tendência de maior formalidade, assim como os casamentos e o conceito de União Estável.

Para falar desta novidade, e também de suas consequências no ordenamento social brasileiro, nosso repórter, JOÃO FRANCISCO WERNECK, entrevistou a advogada especializada em Direito de Família, Bianca Meres Theers, sócia do escritório Guimarães & Lopes Martins Advogados Associados, com atuação em Curitiba. Bianca Meres é uma especialista na concepção dos “Contratos de namoro”, e revelou para nós todos os detalhes desta novidade, assim como o que está em jogo quando duas pessoas decidem que serão um casal.

Fato é que a evolução das relações humanas deve vir entendida e acompanhada de um ordenamento jurídico prudente, pois somente assim as nossas leis poderão reger o comportamento dos indivíduos e sociedade.

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Bianca Theers orienta sobre as necessidades de um "Contrato de namoro" (Foto: Divulgação)

O que é um contrato de namoro?

É um instrumento contratual que está sendo utilizado pelos casais para formalizar uma relação que era anterior a uma União Estável ou a um casamento propriamente dito. Importante dizer que ele não é um contrato tipificado no Direito. Isto é, ele não está na legislação brasileira, ainda. Mas ele tem sido utilizado pelos casais com fim de regular relações amorosas.

Vocês verificaram uma tendência de maior formalidade nas relações amorosas. Por que isso aconteceu? Qual origem dessa formalidade?

De acordo com as nossas pesquisas, em conjunto com o acompanhamento da jurisprudência nacional, e inclusive em função dos interesses dos nossos clientes, foi verificado que após a instituição da União Estável no Brasil, os casais tiveram uma liberdade maior de optar por esta via, e não pelo Casamento Civil. Esse comportamento de exercício da autonomia da vontade dos casais é uma tentativa em evitar disputas patrimoniais, e, consequentemente, firmar contratos de namoro. É uma tendência de formalidade, para evitar, lá na frente, uma disputa e uma divisão patrimonial indesejada.

Que benefícios se desejam com um contrato de namoro?

O principal benefício é tentar desconfigurar uma União Estável, principalmente quando você não tem a intenção de constituir uma família. Qual o principal benefício disso? Ora, proteger o seu patrimônio. É evitar que no rompimento de um eventual relacionamento alguém possa vir a caracterizar esta relação como União Estável. Falando sobre União Estável, quando o casal não fez uma opção por um regime patrimonial, o que vigora é a comunhão parcial de bens, então diante de uma dissolução, o casal tem que dividir tudo o que foi adquirido em conjunto. No namoro qualificado, quando as pessoas querem simplesmente estar junto, as pessoas não querem uma confusão patrimonial. Os bens, desta forma, não serão objeto de disputa. Os bens, imóveis e contas podem ser objetos deste contrato.

Morar juntos pode ser determinante para configurar uma União Estável? O que determina a coabitação?

Quando estamos analisando a natureza das relações pessoais, como União estável, a jurisprudência consolidou que um dos elementos a serem analisados era a coabitação. No namoro qualificado, isso não é uma exigência. As pessoas podem estar em um relacionamento amoroso, de namoro, e não coabitar um mesmo local. Mas, ainda assim, elas podem querer firmar esse Contrato de Namoro, para se resguardar. Coabitação é moradia compartilhada. Mas, no Tribunal, cada caso é um caso, tudo é muito particular. Deve ser visto o conjunto de fatores que envolve o casal. Não é apenas este elemento que vai determinar sobre qual regime aquele casal está convivendo.

E a intenção de formar famílias?

Vai depender também do caso a caso. Mas é esse o elemento diferenciador entre a União Estável e o namoro. É o que as decisões dos tribunais mais recentes têm levado em consideração…

E o que caracteriza a intenção de formar família?

É a intenção de constituir um núcleo familiar. Há um planejamento familiar que envolve todos os elementos daquele casal. Trata-se de construir uma vida junto. Relação sexual não configura vontade de formar família. A vontade de constituir família é justamente o elemento que é analisado para diferenciar namoro de União Estável. Essa vontade envolve vários aspectos da vida dessas pessoas, planejamento financeiro, decisões em conjunto, ter filhos, compartilhamento total da vida do casal. Isso configura um núcleo familiar.

Essa não é uma definição vaga?

Quando não há intenção de constituir uma família, a pessoa deve se resguardar mais. Daí é que veio a solução do contrato de namoro. Não é uma solução única, mas é uma daquelas que pode ajudar em uma discussão judicial. Se você não quer constituir uma família, ou discutir a divisão de patrimônio no momento de um rompimento do seu relacionamento amoroso, é preciso tomar cuidado. É preciso se resguardar com elementos contratuais para haver uma defesa maior.

Após anos celebrando esses contratos, há alguma história inusitada?

O que temos visto são modelos de contrato que só têm melhorado as relações. Não tenho experiencia de confusão entre casais com estes contratos. Agora, é possível pactuar tudo. É comum nos contratos de namoro que fique bem distinto o papel de cada um, as contas, o relacionamento com animais domésticos…

Qual o perfil das pessoas que fazem esses Contratos de Namoro?

Existem casais que já tiveram outros relacionamentos, que têm sua vida financeira resolvida, ou filhos de outros casamentos, e que querem conviver com outra pessoa, mas sem esse nível de envolvimento, enfrentado nos relacionamentos anteriores. Eles não querem mais estar nessas relações tão formalizadas e apenas, às vezes, para proteger o patrimônio de seus filhos. O que nós temos visto muito por aqui são casais que já passaram por relacionamentos anteriores, e com condições de fazer um planejamento patrimonial. Mas isso não quer dizer que não haja casais jovens fazendo Contratos de Namoro.

É possível estabelecer um contrato de namoro entre homossexuais?

Sim, é possível. Assim como é possível lavrar União Estável, e Casamento de gays, é possível lavrar contratos de namoro.

Até que ponto o Estado deve ou pode intervir nas relações privadas das pessoas?

Esse é um ponto de discussão enorme dentro do Direito da Família. Estamos falando de autonomia da vontade. O que temos visto é uma tendência do Estado brasileiro de intervir nas relações pessoais. Outros Estados são mais liberais. O Brasil criou o instituto do Casamento Civil, formalizou o instituto da União Estável. Em 2017,o STF teve uma decisão importante, de equiparar os companheiros da união estável a cônjuges para efeitos de herança. Então, o Estado brasileiro é interventor, e por isso o exercício da autonomia da vontade ainda não é pleno, e tampouco a questão patrimonial, assim como a sucessória. Há um movimento dentro da sociedade, em contraponto a isso, que preza pela autonomia da vontade

Você poderia citar um país em que isso seja diferente do Brasil?

Os EUA foi um dos pioneiros na formalização dos contratos de namoro. Por lá, a esfera patrimonial apresenta uma intervenção menor por parte do Estado. Os países europeus, assim como a América Latina, são mais conservadores neste aspecto…

E na sua opinião, qual o melhor modelo?

É difícil afirmar. O nosso Estado ainda regula bastante essas decisões. Nossos tribunais são conservadores, e como a legislação é ampla neste sentido, ela é impositiva, há regras para se seguir, tanto para as pessoas como para os advogados. Mas somos um Estado que intervém para proteger, e isso é importante.

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NA CONTRAMÃO do “Escola Sem Partido” do deputado Fábio Silva, o parlamentar Carlos Minc protocolou na Alerj o “Escola com Liberdade de aprender, ensinar, pensar”, que garante a “todos os professores, estudantes e funcionários das escolas do estado” a liberdade de expressar pensamentos e opiniões nas escolas, ficando vedado “o cerceamento de opiniões mediante violência ou ameaça”.

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Com João Francisco Werneck