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Entrevista - Renata Santoliver: Missionária, nutricionista e produtora de TV

Aline Cristine -
Renata Santoliver
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Formada em nutricionismo, a missionária evangélica Renata Santoliver é também atriz, produtora e diretora diplomada no curso de teatro da Unirio. Como nutricionista, desenvolveu um alimento, a multimistura, para crianças desnutridas, que conta com a ajuda da Nestlé. Como artista, escreveu, produziu e atua no seriado “Caminhos de volta”, em que debate os principais problemas sociais de Guiné Bissau, propondo soluções humanitárias para situações difíceis. Exibido nas grades das principais emissoras de diversos países africanos, seu seriado passou a ocupar, nas TVs, os espaços das telenovelas da Globo. Carioca de Jacarepaguá, Renata falou ao repórter JOÃO FRANCISCO WERNECK da experiência de sua carreira, iniciada na nutrição, e que a levou ao teatro, “paixão de infância”, diz. Renata Santoliver demonstra que produzir cultura é promover o debate, e falar de assuntos que, se não podem subverter a ordem, ao menos devem questioná-la.

Macaque in the trees
Renata Santoliver (Foto: Aline Cristine)

Como surgiu a ideia de realizar o seriado “Caminho de volta”?

A ideia começou em pequeno projeto que eu fiz em São Tomé e Príncipe, um seriado chamado “Reviravolta”. Eu fui até lá para trabalhar como missionária e nutricionista, e percebi que eles eram viciados nas novelas brasileiras importadas. Nossas novelas são transmitidas de domingo a domingo, mas não havia nenhuma história que falasse sobre a cultura deles. Então, pensei que um seriado no estilo de “Malhação”, com uma dinâmica jovial e que mostrasse a realidade deles, poderia fazer alguma diferença, algo educativo, que promovesse mudanças de comportamento, e mesmo uma metanoia (mudança de pensamento ou de caráter). Deu certo, produzimos alguns episódios, e as coisas foram acontecendo...

Como é feito o programa? Quem financia?

É tudo muito difícil. Nós temos apoio de grupos cristãos brasileiros. Eu faço parte de uma agência missionária, a Junta de Missões Mundiais, que também apoia os nossos programas e ajuda financeiramente.

Qual é a estrutura do “Caminhos de volta”?

Não existe uma única história. Todos os episódios do “Caminhos de volta” foram baseados em histórias reais, com depoimentos que colhemos nos países. Eu escrevi, produzi e dirigi cada episódio. E quanto mais eu escrevia mais eu me envolvia com aqueles personagens. Sofri muito com eles até. Houve a história de uma criança deficiente, um menino, que por conta disso seria queimado vivo. E através do programa nós conseguimos salvá-lo, explicando que os deficientes não são espíritos do mal. Pessoas nos procuraram pra contar casos semelhantes, como o de uma aldeia que sacrificava 10 crianças por ano. As histórias de mutilação feminina também são muito tocantes. São fortes, mas nós contamos mesmo assim, e mostramos, de alguma forma, que a violência contra crianças e mulheres não pode existir.

Como foi discutir temas tabu nesses países?

A mutilação feminina, um dos grandes tabus de Guiné Bissau e de muitos países africanos, é crime em Guiné e pelas leis internacionais, mas é realizada e nada se comenta a respeito. A prática era considerada um dos cinco pilares do Islã, como um mandamento de Mohammed, porém isso não é abordado no Alcorão. Após tocarmos no assunto em nosso programa de TV, abriu-se um tamanho debate sobre o assunto que hoje há outdoors que dizem exatamente isso: “Mutilação feminina não faz parte dos pilares do Islã”. Ao final de cada história nós exibimos uma entrevista para discutir o tema abordado.

Como conseguiu desbancar a audiência das telenovelas da Globo, a ponto de substituí-las na grade da TV de Guiné Bissau?

Fiquei sem palavras. Não há como competir com a Globo e sua equipe imensa, com equipamentos de ponta e tudo feito da melhor forma. A Globo é uma das maiores do mundo. Contudo, foi muito importante para esses países (Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe) falarmos sobre a cultura deles. Foi importante, por exemplo, que eu fosse a única brasileira no elenco do “Caminhos de volta” e todos os demais atores eram moradores daqueles locais. Fazíamos questão de apresentar paisagens e locais bonitos dos países deles, e foi o que motivou os donos das televisões a, com o tempo, retirar as novelas da Globo da grade, passando apresentar o nosso programa. Quando eles, enfim, admitiram que a minha série era a novela deles, algo praticamente oficial, foi muita emoção, não há como descrever.

Como é ser missionária evangélica?

Eu sempre fui muito ligada nessa atividade. Sou evangélica desde criança. Antes mesmo da minha formação na Faculdade, eu já fazia as viagens de Igreja, conhecendo lugares e levando ajuda para as pessoas. Então descobri que eu poderia viver fazendo isso, sem esquecer as minhas profissões, como meu trabalho com nutrição e teatro.

Macaque in the trees
Renata Santoliver (Foto: Aline Cristine)

E qual a parte mais difícil?

A distância da família, sem dúvidas. São 13 anos indo e vindo, com algumas paradas em casa, coisa de três meses, às vezes mais. Mas o propósito é muito nobre, e a felicidade em ajudar o próximo realmente compensa. Tem uma história muito legal, que aconteceu em Moçambique, onde eu começava como missionária, e já com o meu diploma de nutricionista. Atuava nessa área meio sem recursos, com crianças desnutridas e mulheres soropositivas. As famílias eram muito pobres, algumas delas com dificuldade para se alimentar. Foi quando eu tive a ideia de usar os meus conhecimentos para produzir uma “supermistura”, com os poucos ingredientes e elementos de que eles dispunham. Criei uma espécie de leite hipercalórico. Depois disso, não perdi sequer uma criança por desnutrição. Um dia, eu estando em consulta no hospital, uma mulher uniformizada de branco me apareceu insistindo para saber o que eu fazia com as crianças. Expliquei detalhadamente a minha “supermistura”. Eis que ela se anuncia como representante da Nestlé em Moçambique, que passou a apoiar esse meu projeto, e a financiar e produção da minha receita. Foi marcante.

E o que há de novos projetos?

Queremos fazer a dublagem dos seriados, porque eles foram escritos e lançados na língua crioula. A ideia é leva-los aos países africanos que falam português.

Você já sofreu algum preconceito por ser evangélica?

Aqui no Brasil. O evangélico é caracterizado como limitado, que não estudou, e isso não é verdade. Nós, evangélicos, somos também doutores, mestres, e atuamos em todas as áreas.

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AOS 95 ANOS, a uruguaia Ida Vitale, 95 anos, foi a quinta mulher do mundo a receber a mais alta distinção literária da Espanha: o Prêmio Cervantes 2018, cujo valor é em torno de 125 mil euros. Ida recebeu a notícia por telefone, em Austin, no Texas, onde vive depois de ter sido obrigada pela ditadura militar a fugir de Montevidéu, em 1974, e a se exilar no México.

Aline Cristine - Renata Santoliver