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'O artista para ser bom tem que encontrar sua identidade'

Cesgranrio / Divulgação -
Gustavo Gasparani, ator e diretor premiado, no palco do Teatro Cesgranrio com sua montagem de "O burguês fidalgo", de Molière
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A cena cultural carioca vai ganhar uma turbinada, de 23 a 30 de outubro, com a Semana Cultural Cesgranrio. A Fundação do Rio Comprido promoverá em suas salas de teatro uma série de eventos gratuitos, celebrando diversas expressões artísticas brasileiras. Fernanda Montenegro, Elza Soares, Baby do Brasil, Jout Jout, Nelson Sargento, Andrea Beltrão e Gregório Duvivier integram o elenco de atores e atrizes que se apresentarão no evento.

O que há de melhor na produção cultural brasileira será apresentado e discutido em shows, exposições, debates, palestras e oficinas, conforme relata ao repórter da coluna, JOÃO FRANCISCO WERNECK, o premiado ator e diretor Gustavo Gasparani, professor da Oficina de Teatro Musical Cesgranrio. Ele também fala de sua trajetória na cena brasileira, desde ainda muito novo, numa busca inesgotável pelo conhecimento da profissão.

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Gustavo Gasparani, ator e diretor premiado, no palco do Teatro Cesgranrio com sua montagem de "O burguês fidalgo", de Molière (Foto: Cesgranrio / Divulgação)

Justamente essa tesão pelo palco o levou, aos 11 anos, a conseguir que o musical “Os Saltimbancos” fosse montado no Colégio Andrews, onde hoje ensina artes cênicas. Vale conhecer essa história. O espetáculo havia estreado no Rio de Janeiro havia pouco tempo, e a professora de Gustavo disse que era impossível encená-lo, pois não havia o texto ou as músicas. Gustavo foi pra casa e ouviu várias vezes o LP dos Saltimbancos, chegando na escola com a peça transcrita, completinha. A professora não teve remédio, senão atender o desejo do garoto. E a peça foi ao palco do Andrews.

Este ano, Gasparani correu o Brasil com cinco espetáculos, e ainda conseguiu tempo para ensaiar para a Semana Cesgranrio.

Fale sobre a I Semana Cultural Cesgranrio.

Fui chamado para montar a apresentação de duas cenas de peças teatrais diante do público. A primeira será de “Gota d’água”, com Soraya Ravenle e Jonatas Faro. A outra, da “Ópera do malandro”, com Suely Franco, Claudio Tovar e uma atriz aluna da Faculdade de Teatro da Cesgranrio. Na montagem, os atores chegam ao teatro para ensaiar. A plateia assistirá às leituras dos textos e conhecerá de que forma diretores e atores se apropriam do texto teatral. Com Toni Lochesi ao piano, eles cantarão canções dos dois musicais.

Fale de seu trabalho como professor na Oficina de Teatro Musical Cesgranrio.

É a segunda vez em que sou chamado a colaborar com eles. Na primeira, priorizarei a interpretação, porque no teatro musical se desenvolve muito o canto e a dança, e os atores acabam com poucos recursos para a compreensão do texto, como estudá-lo e criar o personagem. Esse foi o foco. A ideia é sempre trabalhar com um autor importante. Ano passado fizemos uma adaptação do Shakespeare, a peça o “Otelo da Mangueira”. Este ano estamos montando o “Burguês Fidalgo”, de Molière, que transformei em musical.

Por que Molière?

Ele é o pai da comédia, e até hoje é atual. Ele revolucionou a comédia e faz uma crítica muito atual à sociedade.

E que críticas a sua montagem pretende enfatizar?

Aos vícios da sociedade. Os vícios do século 17 são os mesmos da sociedade no século 21. É possível espelhar a nossa sociedade, através de suas críticas àquela época. As intrigas palacianas, vaidades, condutas sociais… Ele já criticava o machismo, questionava a medicina, o jogo de interesses da nobreza, a briga política. Tudo igual a hoje. E em qualquer lugar. Mudam-se os costumes, mas o homem continua o mesmo.

Como você encara o papel de um autor de teatro?

O autor tem que espelhar a sociedade. Mostrar seus vícios e virtudes do jeito que são. Existem coisas ruins nessa sociedade. Não devemos apoiar essa conduta, mas é fato, então é importante colocá-la em discussão.

O que o levou a escolher essa carreira?

Eu tinha três anos, não sabia ler, escrever ou nadar, mas já fazia teatro. Isso é curioso em uma família que não tem tradição artística. O fato de ter descoberto essa paixão ainda na escola me dá muito prazer em estar aqui, ensinando. A dificuldade foi viver de arte num país que não estimula a cultura. Mas antes dos 20 anos tive um grande convívio com os melhores mestres e professores. Encontrei Amir Haddad, Miguel Falabella, Sérgio Brito e Rubens Corrêa, nomes muito importantes na minha formação de diretor e ator. Tive muita sorte.

O que caracteriza um bom diretor teatral?

A identidade. O artista precisa criar uma identidade para ser bom. Quando se cria uma, nasce a vontade de falar, de escrever. Eu busco a brasilidade nos meus trabalhos.

E de onde veio essa brasilidade?

Sou da geração Coca-Cola, aquela que consome tudo o que é americanizado. Apesar disso, sempre gostei de ouvir MPB. Eu morava em frente ao Teatro Casa Grande, e à tarde eu e meus amigos assistíamos a espetáculos e shows, como “Gal Tropical”. Foi quando passei a me interessar pela música. Ela me levou para as escolas de samba, conheci o trabalho de Clara Nunes. E eu fui conquistado pela cultura popular. Hoje eu me identifico com a arte popular. Shakespeare e Molière são cultura popular de suas épocas.

Essa sua vertente musical manifestou-se antes ou depois do teatro?

O teatro, comecei desde garotinho. Mas a música foi da vida inteira. Na escola, chamavam-me de Travoltinha, porque eu sempre ganhava os concursos de dança. Fui bailarino também, né?! Na escola, estudei com Marisa Monte, minha grande amiga, e acompanhei de perto sua transformação em grande cantora. Vi, e vivi isso de dentro dos bastidores e estúdios. Hoje eu tenho todos os discos de todo mundo, Gal Costa, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Beth Carvalho. Com o tempo, fui misturando tudo isso com o teatro.

Assim nasceu o “Otelo da Mangueira”?

Sim. O que me levou a trabalhar com arte foi a palavra, a comunicação. Eu queria fazer textos clássicos, tragédias, e misturar com música. Foi quando eu tive a ideia de fazer o espetáculo “Otelo da Mangueira”. Pegar tudo o que eu gosto e botar em uma peça: Mangueira, Shakespeare…

E por que Mangueira?

Não sei. Minha mãe cantava alguns sambas para mim, mas ela nunca foi nenhuma apaixonada por escolas de samba. Em 1979, eu disse ao meu pai que queria assistir ao desfile da Mangueira. Meu pai vetou, porque eu tinha só 11 anos. Fui para o meu quarto e assisti ao desfile em preto e branco e sem som. Passado um tempo, ele me levou na Mangueira. Deve ter pensado: “Esse garoto é doido pela Mangueira, vou levá-lo”. Anos depois, meus irmãos mais velhos me levaram para assistir ao desfile das escolas. Eles nunca mais voltaram, e eu nunca mais deixei de ir. Virei até passista. A mesma coisa com relação ao teatro, à música. Para a Mangueira, já desfilei até com dengue.

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Mais de 50 mil pessoas de todas os cantos da Europa protestaram na floresta de Hambach, Alemanha, sexta-feira, contra o uso de carvão na energia. Atenderam ao chamado urgente de ações para evitar as mudanças climáticas. Ambientalistas, igrejas, gente de outros países unidos pelo bem da Humanidade. Já no Brasil um possível futuro ministro da área diz que ambientalistas e Ibama só atrapalham.

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Com João Francisco Werneck