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Crônica de um governo corrompido

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Chefe da assessoria de comunicação da Presidência da República, um funcionário com status de ministro é acusado de manipular verbas de publicidade e receber dinheiro de emissoras de TV e agências de publicidade contratadas por sua secretaria, através de uma empresa da qual é sócio. Ele integra um seleto grupo de assessores que trabalha dentro do palácio do Planalto, com autonomia para distribuir verbas especiais de merchandising para jornalistas e emissoras. Reportagens publicadas pela “Folha de S.Paulo” desde o último dia 15 denunciaram o esquema e balançaram o coreto do assessor, que se mantém no posto.

O edifício balançou mas não caiu, seja pela omissão de parte da imprensa, pelo desprezo de Bolsonaro seja pelo perturbador silêncio da opinião publica, contaminada pelo vírus da desilusão. As práticas são proibidas pela legislação vigente, afrontam princípios constitucionais, ferem a ética pública e põem em risco regras básicas da democracia. Fábio Wajngarten, até então uma pessoa desconhecida, assumiu o comando da poderosa Secom em abril de 2019. Desde então é o principal sócio da FW Comunicação e Marketing.

Segundo a detalhada apuração dos repórteres da “Folha”, ele recebe, por meio da empresa da qual é sócio, os recursos pagos pelas emissoras e agências contratadas pela Secretaria, demais ministérios e estatais do governo Bolsonaro. Não é pouco. São duas as vertentes. Numa ele se apropria do dinheiro do Estado, noutra ele interfere no que os veículos de comunicação e seus titulares de programas de maior audiência vão dizer e mostrar para o público. Ou seja, ele também faz censura.

Um escândalo destas proporções derruba ministros e assessores de qualquer escalão em qualquer país democrático. Não no governo Bolsonaro, onde tudo é permitido e tolerado. A rede de proteção só não segurou o trapezista Roberto Alvim, que deu um salto no abismo ao fazer uma performance pública em que se fundiu em cena com o ministro da Informação nazista, o criminoso Joseph Goebbels.

Caiu à revelia de Bolsonaro, que o admirava, devido à fulminante reação externa, que veio do Congresso, do STF e da influente comunidade israelita. Espanta num país em que se celebra a liberdade de expressão que a FSP tenha ficado isolada no caso do publicitário Wajngarten. Televisões à parte, os dois outros veículos de maior expressão nacional, “O Globo” e o “Estado de S. Paulo”, ficaram de longe, noticiando burocraticamente aquilo que foi a principal fato da semana.

Fizeram pequenas suítes, (desdobramentos) como se diz no jargão jornalístico, para não dizerem que não falaram do escândalo. A considerada grande imprensa já atuou de forma mais unida, basta lembrar alguns episódios recentes. Como a unanimidade com que cobriu as denúncias que atingiram os governos Lula e Dilma do PT, e as investigações conduzidas pela dupla lavajatista Moro e seu escudeiro Dallagnol, revisadas pela Vaja Jato do The Intercept. À omissão da imprensa juntou-se a apatia da sociedade civil, de saco cheio com os políticos e indiferente à ofensiva autoritária.

Acionado, o Tribunal de Contas da União investiga se a distribuição das verbas oficiais foi feita com critérios políticos e não técnicos, favorecendo as TVs alinhadas com o governo. Band, Record e SBT são as principais beneficiadas. Já a Globo teve queda em seu percentual. Entre os apresentadores escolhidos para abrir espaço em seus programas para Bolsonaro, mediante o pagamento de merchandising, estão José Luis Datena, Ratinho, Milton Neves, Otávio de Mesquita e Luciana Gimenez. A coordenação do plano de mídia coube à Agência Artplan, que firmou contrato de R$ 127, 3 milhões com a Secom.

A Comissão de Ética da Presidência da República solicitou a Wajngarten que esclareça a denúncia A prática indica conflito de interesses e pode configurar improbidade administrativa. Na quarta-feira, 29, o Ministério Público Federal pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito criminal com o objetivo de apurar supostas práticas de corrupção passiva, peculato e advocacia administrativa, o patrocínio de interesses privados pelo servidor público.

A administração federal está cheia de pessoas assim, desconhecidas do público, de nomes estranhos. Wajngarten, na Comunicação, e Wentraub, responsável pelo caos cria-do na área de educação, estão transitando do anonimato para a crônica policial. O jornalismo profissional feito com independência pode desempenhar um papel importante na defesa da democracia.

*Jornalista e escritor