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Uma América em convulsão busca reformas

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A América Latina entrou num clima de convulsão política e social com a explosão simultânea de rebeliões, guerrilhas urbanas, golpes e eleições polarizadas em vários países do continente. Há em marcha um processo de tomada de consciência amplificado, não mais marcado pelo componente ideológico do capitalismo versus comunismo dos anos 1960 da guerra fria. A luta pelos direitos civis, liberdade e democracia social, contra as desigualdades e a miséria reinantes, surgem como os principais componentes de mobilização popular. Sai de cena a mistificadora bandeira da luta contra a corrupção usada pelos setores dominantes para tapar os problemas reais da sociedade e camuflar suas próprias formas de dominação.

Esta é uma realidade claramente visível no Chile, pais que lidera essa revolução pacífica, sem vestígios da presença dos barbudos de uniforme militar que lideraram a revolução cubana. Che e Fidel não deram as caras. Em meio a protestos e distúrbios violentos que começaram em meados de outubro, na maior crise político-social desde o término da ditadura em 1990, o governo de Sebastián Piñera foi obrigado a aceitar a mu-dança da Constituição herdada do ditador Pinochet. O executivo comprometeu-se com a convocação de um plebiscito para levar a um Congresso constituinte com ampla parti-cipação dos cidadãos e dos movimentos sociais que lideram a revolta.

Uma vitória histórica fruto da mobilização popular que permanece sem tréguas nas ruas enfrentando uma feroz repressão das tropas militares. Uma centena de manifestantes ficaram cegos, devido a disparos de balas de borracha e uso de gases nos confrontos. O Chile de Allende aponta o caminho de mudanças para os demais países que vivem sob politicas liberais extremas, aplicadas desde Pinochet, que cortam salários, cassam direitos dos trabalhadores privatizam a previdência e serviços básicos como saúde e educação.

No Brasil, a situação de extrema pobreza atingiu seu maior nível em sete anos, segundo divulgou esta semana o IBGE. A crise econômica que se acentuou desde 2015, atingiu agora 13.5 milhões de pessoas desempregadas vivendo em condições de extrema pobreza. Isso significa que 6,5% da população brasileira vive com menos de R$ 145 por mês. Não há registro de que Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes tenham feito alguma menção à dramática situação social do país e a exclusão de centenas de milhares de brasileiros. Para eles, esses brasileiros não existem. Governam exclusivamente para um reduzido grupo branco e rico, e os amigos evangélicos e milicianos.

O processo histórico chileno ainda não foi concluído. É a primeira vez que a direi-ta se compromete a discutir uma nova constituição democrática. Mas ainda há resistências. Oposição e movimentos sociais defendem a convocação imediata de uma Constituinte. Piñera e aliados resistem. Preferem manter o congresso eleito em 2021 com a função de mudar a Constituição ou enviar um texto para discussão no parlamento, sob seu controle. Só posteriormente seria ratificado por um plebiscito. As forças das ruas vão decidir a falência do modelo liberal.

Deposto por um golpe de Estado anárquico, violento e confuso que terminou com um xeque mate dos militares, Evo Morales chegou ao asilo no México graças a uma ação audaciosa do presidente Lópes Obrador. Pretende voltar a La Paz não mais como candidato. Líder do Movimento ao Socialismo, (MAS), Morales foi o primeiro indígena a governar o pais. Nacionalizou riquezas minerais, manteve um crescimento de 5% ao ano e reduziu á metade a população que vivia abaixo da linha de pobreza.

Numa tentativa de perpetuar-se no poder, candidatou-se pela quarta vez. Com seu comportamento errático e denúncias de fraude na eleição, o pais entrou numa crise ex-plosiva e violenta, com saques, invasão de casas e incêndios por grupos golpistas co-mandados por um empresário radical apoiado por igrejas evangélicas e milícias. No segundo dia, os apoiadores de Evo desceram para as ruas aos gritos e tomaram La Paz, estabelecendo um confronto de guerra civil.

Com o vácuo de poder, aproveitou-se a segunda vice-presidente do senado, Jeanine Añez, para se autoproclamar presidente da Bolívia, com apoio das forças armadas e da polícia. Deputados e senadores da Assembleia Nacional aprovaram moção de repúdio ao golpe e à autoridade da senadora. Uma loura oxigenada que, para completar a farsa, declarou que realizava seu sonho “de uma Bolívia livre dos rituais satânicos indígenas”.

O governo brasileiro foi o primeiro a aplaudir e reconhecer este teatro satânico do absurdo. As oligarquias da América Latina voltam a mostrar seu desprezo pela democracia. Bolsonaro e Ernesto Araújo, o chanceler fantoche, agem como se estivessem em plena guerra fria. Deram apoio e incentivaram a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília por um grupo de milicianos ligados a Juan Guaidó, que se diz presidente. E pela primeira vez em 27 anos deram o voto do Brasil contrário à resolução da ONU que condena o embargo econômico americano a Cuba, juntando-se apenas a Israel e ao país que viola os direitos de Cuba. Atitude vergonhosa e subserviente a Trump, rompendo uma tradição da diplomacia brasileira.

*Jornalista e escritor