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A farsa, o fico de Lula e o futuro

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As questões técnicas que agitam o debate são as condições exigidas para o regime de progressão da pena, se a lei obriga o condenado a ir para o regime semiaberto, se ele pode recusar o uso da tornozeleira eletrônica, e o pagamento de uma elevada multa estipulada pela justiça para deixar a cadeia. Tratam-se de detalhes e preliminares jurídicas que se discutem nos tribunais, na mídia e nas ruas. Partes de um contencioso histórico decisivo para a reconstituição do país. O que está em jogo não é apenas a liberdade de um homem. É o reconhecimento de erros jurídicos para que se possa seguir em frente com dignidade e justiça, preservadas as regras da democracia, ao contrário do que ocorreu com a concessão da anistia durante a ditadura no século passado.

No centro do ringue nesta nova contenda brasileira está o ex-presidente Lula na condição de prisioneiro político. Chegou a 73 anos e mostra muita disposição para o combate. É preciso deixar clara essa condição de preso político, porque este é o nome que se dá a um cidadão eleito duas vezes presidente da República, denunciado e condenado sem provas para ser impedido de se candidatar num pleito em que ele liderava as pesquisas. Para setores dominantes da sociedade, em hipótese alguma Lula poderia ser reeleito pela terceira vez.

A seu lado no ringue, com os braços erguidos vestido com o uniforme de Batman, o ministro e ex-juiz Sergio Moro, acompanhado de seu “segundo”, o procurador chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, com sua unida equipe de 15 lavajatistas, distribuída pelos quatro cantos do ginásio. Tudo neste processo é atípico, inusual e inusitado, a começar pela iniciativa conjunta da Força Tarefa da Lava Jato, mudando seu comportamento habitual para pedir a progressão de regime para o ex-presidente. Caberia à defesa do preso esta decisão, uma vez completado um sexto da pena e atestado o bom comportamento. Lula está preso há 545, dias desde abri de 2018, na Superintendência da Polícia Federal do Paraná.

Os acusadores decidiram se antecipar com o pedido de passagem para o semiaberto porque temem que a obra fajuta que esculpiram para a condenação, já desmascarada pelas gravações da Vaza Jato, seja derrubada pelo Supremo Tribunal, que tem na pauta para apreciar diversos recursos que tratam do tema. Decorreu do trabalho independente da agência The Intercept a comprovação de que houve um conluio entre juiz, procuradores e parte da imprensa durante as investigações, com transgressões à lei e à ética. As gravações foram divulgadas pelo Intercept, juntamente com o jornal Folha de S. Paulo e outros veículos.

Convicto de que sua inocência será reconhecida, Lula e seus advogados ficaram na deles, não se manifestaram. O ex-presidente almeja sair em liberdade plena, com o reconhecimento de que a condenação, em primeira e segunda instâncias, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá, é resultado de uma obra conjunta inconsistente arquitetada por Moro e Dallagnol. Na carta manuscrita que divulgou dia 30/09 foi taxativo: não aceita barganhar seus direitos para sair da prisão. “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”.

Seus propósitos são firmes, conforme se pode ler na carta escrita em português correto, ao contrário do juiz Moro, que comete erros primários de grafia. “Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram. Tudo que os procuradores da Lava Jato deveriam fazer era pedir desculpas ao povo brasileiro e à minha família pelo mal que fizeram à democracia, à justiça e ao país. Não descansarei enquanto a verdade e a justiça não voltarem a prevalecer.”

A defesa do ex-presidente pediu ao Supremo que a ação que questiona a suspeição do ex-juiz Moro seja julgada com urgência Há dois outros pedidos que o STF vai analisar nos próximos dias que podem ter desdobramentos favoráveis a Lula. Em sua pequena solitária em Curitiba, dispõe de uma escrivaninha, uma cama e uma esteira para exercícios. De lá está disposto a não se arredar. Recebe familiares, políticos e advogados. Até do casamento com a noiva abriu mão para não interferir em sua conduta. Já leu dezenas de livros, se quisesse poderia relacioná-los para solicitar redução da pena, mas nem isto fez.

Está irredutível. Não arreda pé. Tudo indica que o cenário caminha para um impasse, o que recomenda a busca de uma solução mais política do que jurídica. Advogados ressaltam que uma vez determinada pela juíza a implantação do regime semiaberto, em tese o condenado não poderia se recusar. Mas o impasse pode surgir caso a recusa seja para a colocação da tornozeleira eletrônica.

Entendem juristas que o condenado não é obrigado a aceitar. Ele não pode simplesmente ser empurrado para fora do presídio com uma aparelhagem presa no tornozelo. Se é obrigação do Estado, é direito do cidadão rejeitar. A questão é se agentes policiais vão colocar à força uma tornozeleira num homem pacato que ostenta as faixas de ter sido duas vezes eleito presidente da República e que acaba de receber da Prefeitura de Paris o título de Cidadão de Honra da Vila de Paris, aprovado pelo Conselho Municipal da Cidade, por sua conduta em apoio aos desfavorecidos e em defesa dos direitos humanos.

A história registra que grandes processos políticos levam anos para serem revistos, mas a verdade acaba sempre por prevalecer. Sem que haja nenhuma similitude com o caso de Lula, pode se lembrar do líder negro Nelson Mandela, que ficou preso 27 anos pela política do Apartheid na África do Sul. Em carta, o presidente De Klerk lhe prometeu a liberdade, com a condição de um pedido formal de desculpas por seus atos terroristas. Terrorista, Mandela? O líder devolveu a carta com a recusa, jamais iria se aviltar. Pouco tempo depois saiu da prisão e foi eleito presidente.

*Jornalista e escritor

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