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Algo se move no país dos Bolsonaro

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Imaginem um país assim, que tem no trono ao lado do rei três rapazes iracundos, potencialmente violentos e poderosos. Tiveram uma educação provinciana e preconceituosa, forjaram-se sob o peso da discriminação e cresceram com esses valores. Não foram rebeldes nem coroinhas, não foram roqueiros nem playboys, não pilotaram motos da juventude transviada. Tornaram-se naturalmente membros natos de uma gang especial, uma espécie de baderneiros machões que andam armados prontos para criar confusão. Aqueles rapazes que chegam a uma festa, tiram uma moça para dançar e diante da recusa armam uma enorme briga, jogam cadeiras para o ar, quebram copos e garrafas.

Numa democracia podem ser o que quiserem, mas uma hora a polícia vai chegar, baixar o cacete, eles serão algemados e levados para a cadeia. Se não fossem o que são, filhos mimados e arrogantes do presidente desta república, detentores de uma parcela significativa de poder no governo do pai, neste país que não é imaginário nem os personagens foram inventados. Não se trata de uma fábula, mas seu roteiro é fabuloso e pode conduzir às trevas. Expulso da caserna, o genitor extremista elegeu-se deputado. Tempos depois juntou-se a um juiz que lavava roupa suja dos políticos, badalado pela mídia que o transformou em herói nacional e o vestiu com a máscara do Batman.

O resto da fábula até aqui é conhecida. Escolheram um Coringa, comunista e barbudo para vilão e martelaram um discurso de que no governo iriam acabar com a corrupção e as safadezas do povo LGBT. Com essas falácias e levados nos braços do establishment, foram eleitos. Neste país dos Bolsonaro, de alguma semelhança com Os Bruzundangas, de Lima Barreto, eles mandam e desmandam, elogiam ditaduras e torturadores, exibem-se com armas na cintura, fazem a apologia do autoritarismo, xingam e ameaçam os oponentes, derrubam conselheiros do rei. Na sátira de Lima Barreto, no começo do século passado, temos um país fictício atolado em problemas sociais e um político provinciano e medíocre, com total descaso pelos problemas do povo.

Um dos rapazes é senador, outro vereador, e o terceiro é deputado, com o risco de se tornar embaixador na terra do Tio Sam. Membros de uma elite cafona e ultraconservadora, não passaram pelo trabalho na produção com carteira assinada. Entraram para a burocracia do Estado, com o tempo criaram seus currais de evangélicos e se associaram aos milicianos. Elegeram-se e aí permaneceriam, fazendo racha com amigos e parentes contratados em seus gabinetes, uma leva de funcionários fantasmas, até que um dia o pai se elegeu presidente e tudo mudou.

Manifestam desprezo pela cultura e as artes, aplaudem a censura e demonstram vocação para a criação de clubes de tiro e clubes de luta. Nestes, homens descamisados brigam entre si em porões sujos e planejam explodir os pilares das grandes corporações e da sociedade, como no filme “Clube da luta”, (1999), de David Fincher, sobre homens medíocres, de imaginário fascitóides, que se sentem vítimas e querem se vingar da sociedade. O filho O2 escreveu que a democracia impede as transformações que o país pre-cisa, repetindo o pai, que deu nota dez para a ditadura.

Ignoram que o país real que habitam vive uma crise dramática, entrando numa de-pressão econômica com milhões de desempregados. Ao destruir o futuro, sabotando a educação, a ciência, a memória e o meio ambiente, solapam o regime democrático em que vivemos. O pesado e conservador establishment, que o elegeu, começa e emitir si-nais de que a toxidade dos Bolsonaro tornou-se muito alta e perigosa. Até para eles.

Progressistas, personalidades e partidos de esquerda, centro-esquerda, e liberais envergonhados, convergem para uma frente em defesa da liberdade e dos direitos democráticos. “Eppur se muove”, como teria dito Galileu Galilei levado ao Tribunal da Inquisição para renegar sua tese de que a terra se move em torno do sol. E, no entanto, ela se move, teimou o filósofo. Diante da barbárie, parte do corpo do pesado elefante do establishment se mexe.

*Jornalista e escritor