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Witzel e seus cadáveres

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Há quem o considere um fanfarrão por suas poses e afirmações provocativas, mas Wilson Witzel, um ex-juiz desconhecido que se tornou governador do Rio de Janeiro, tem um projeto político ambicioso. Quer disputar a reeleição ou a sucessão presidencial em 2022. No Brasil atual, tudo é possível. Ao dar ênfase às questões de segurança publica, tanto no discurso quanto nas ações, Witzel busca credenciar-se no cenário nacional como um representante da ultradireira, defensor de uma política de segurança que tem como meta a eliminação física de suspeitos. Se estiver armado e portar fuzil, o abate tem a chancela do ex-juiz federal.

Com seis meses no cargo, essa política de enfrentamento e de execuções do governador já tornou o Rio de Janeiro recordista nacional em mortes violentas. Nos cinco primeiros meses do ano houve um expressivo aumento das mortes decorrentes de ações policiais, em especial da Polícia Militar. Passaram de 20%, em 2018, para 28,6% nos primeiros cinco meses de 2019. Do total de homicídios no Estado, um em cada três é de responsabilidade das tropas do governador fluminense.

Trata-se de uma escalada de desrespeito aos direitos humanos, associada à onda conservadora bolsonarista que incentiva a liberação e porte de armas. Seu resultado concreto é o crescimento do número de cadáveres entre os moradores de comunidades, em sua maioria negros e pobres, enterrados muitas vezes como indigentes, sem identificação. O governador tem dado total cobertura a este tipo de confronto que resulta em mortes, como ocorreu em fevereiro numa operação da Polícia Militar que matou 15 pessoas no morro do Fallet/Fogueteiro, no centro do Rio.

O Ministério Público está investigando as circunstâncias das mortes junto com a Delegacia de Homicídios. Antes de qualquer conclusão, Witzel divulgou uma nota afirmando que foi “uma ação legítima da Polícia Militar para defender o cidadão de bem. Não vamos mais admitir qualquer bandido usando arma de fogo de grosso calibre, fuzis, pistolas ou granadas”. Uma mãe perdeu dois filhos, um de 18 outro de 16 anos. Moradores disseram que dos 15 mortos, 9 estavam dentro de uma casa. Eles acusam os PMs de terem executado os rapazes, que segundo testemunhas já haviam se rendido.

Não há nem mais a falsa formalidade dos autos de resistência forjados. No morro do Dendê, na Ilha do Governador, na última sexta feira de maio, equipes do Batalhão de Choque metralharam os cinco ocupantes de um carro preto, onde se encontrava o comando da quadrilha que atua na região, segundo os policiais. O Estado banca os cadáveres e o governador faz politica com os espetáculos. Vestido de justiceiro e em busca de maior visibilidade, ele próprio participou de uma operação policial em Angra dos Reis, no inicio de maio. Foram feitos disparos de um helicóptero da Polícia civil que atingiram pessoas que se reuniam numa tenda para orações.

Num pais de tradição elitista e escravocrata, que tolera e pratica a tortura e produz em série desigualdade e desemprego, Witzel cria uma nova versão de “Junta-cadáveres”, personagem do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, que dá titulo ao seu premiado romance. No livro, Junta-cadáveres é um viajante falido que chega à pequena e imaginária cidade de Santa Maria levando três velhas e cansadas prostitutas para fundar um prostibulo.

Onetti, um dos grandes escritores latino-americanos do século XX, constrói uma fábula asfixiante onde o moralismo e o pudor dos habitantes se chocam com a presença do bordel do aventureiro que sonha viver às custas de suas putas. Os cadáveres do governador fluminense revelam o seu tamanho político e a dimensão da tragédia social do país.

*Jornalista e escritor

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