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O inferno de Flávio, o primogênito

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Após um período em que submergiu fora de cena e do noticiário, o filho mais velho do presidente da Jair Bolsonaro adotou a clandestinidade e o silêncio como métodos de sobrevivência. Fala pouco e não manda mais recados pelas redes, dando a impressão de estar encurralado e assombrado pelas denúncias que se avolumam dia a dia. Promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro que investigam o esquema de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete do ex-deputado hoje senador Flávio Bolsonaro já dispõem de elementos que poderiam sustentar um pedido de sua prisão. Uma decisão neste sentido dependerá de autorização do Senado, embora os fatos investigados sejam anteriores a sua eleição para a Casa.

Ao pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio e mais 94 pessoas, em abril, o Ministério Público já afirmava ter reunido informações de que ele teria investido 9,4 milhões na compra de 19 imóveis. A autorização foi concedida pelo juiz Flávio Nicolau, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Acuado, o senador apelou para o STF, alegando foro privilegiado, mas teve negado seu pedido de barrar as investigações. Os promotores afirmam estar de posse de “indícios robustos” da prolongada operação de uma organização criminosa em seu gabinete.

O último lote investigado envolve a compra de 12 salas comerciais na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, algumas ainda não totalmente quitadas, no valor calculado de R$ 2,6 milhões. Um negócio tipicamente montado para lavagem de dinheiro, tendo como sócio na operação uma empresa com sede no paraíso fiscal do Panamá, a Listel S/A. Segundo informações vazadas por procuradores a revistas e jornais, os números podem ainda ser maiores. O MP listou um total de 37 imóveis suspeitos e pediu informações aos cartórios do Rio, que ainda não concluíram a análise.

A devassa patrimonial sobre os bens e a movimentação atípica do primogênito do clã Bolsonaro, sua família e amigos, revela números assustadores e corroboram provocações feitas pelo próprio pai, ao afirmar num de seus ataques raivosos que “o problema do Brasil é a velha classe política. Esse país é ingovernável por conta dos vícios do Congresso, dos políticos e das corporações”. Pois bem, depois de exercer o mandato de deputado na Assembleia do Rio durante 15 anos, de 2003 a 2018, o atual senador do PSL se enquadra todos esses tortuosos “vícios”, muitas deles desenvolvidos em sociedade com o pai.

Flávio Bolsonaro teve tempo suficiente para montar em seu gabinete uma verdadeira quadrilha comandada por seu ex-assessor e motorista Fabricio Queiroz, cujas movimentações suspeitas percebidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, detonaram todo o esquema. Policiais militares nomeados para o gabinete de Flávio, integrantes da milícia de Rio das Pedras, e seus familiares, repassavam até dois terços de seus salários em troca de férias permanentes. Ou seja, recebiam para não trabalhar. Entre eles, segundo reportagem de Juliana Dal Piva em O Globo, nove parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, que vem a ser ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, contratados nos gabinetes do pai e do filho.

A quebra de sigilo de todo o grupo investigado tem potencial para respingar no palácio do Planalto e agravar o quadro de instabilidade politica ao expor os laços da família Bolsonaro com os grupos paramilitares comandados por policiais e ex-policiais. No gabinete de Flávio estavam lotados a irmã e a mãe do miliciano Adriano Magalhaes da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, principal suspeito de ligação com o grupo terrorista que executou a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. A trapaça da lavagem de dinheiro dos imóveis, o conchavo para a “rachadinha” e o envolvimento com a execução de Marielle constituem nitroglicerina pura que podem levar a desdobramentos que antecipem a queda do governo Bolsonaro.

A história é antiga. Flávio Bolsonaro foi o único deputado que votou contra uma homenagem a Marielle na Alerj. Também o único a votar contra a CPI das milícias em 2018. Suas ligações com Queiroz e as homenagens a policiais já sentenciados por crimes demonstram a efetiva proximidade do clã com as milícias. Em entrevista ao jornal “Valor”, o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, o sociólogo Luiz Eduardo Soares, alerta para os riscos para a democracia desta fusão. “Beneficiados por uma zona de sombra, esses grupos expandiram-se e se aproximaram do poder, tornando-se um desafio maior do que o das facções que controlam o tráfico de drogas e armas.”

*Jornalista e escritor