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A hora e a vez da resistência

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Numa cruzada ideológica sem precedentes na história o governo Bolsonaro partiu para destruir o sistema educacional brasileiro e em especial o ensino superior com o corte de 30% no orçamento das universidades, escolas e institutos federais. A escalada começou com os ataques às áreas de filosofia e sociologia. Em seguida o ministro Abraham Weintraub citou três universidades que seriam punidas por estarem promovendo balbúrdia. Com a ampla solidariedade das demais instituições, também promotoras de balbúrdia, o terror apontou suas armas para o desmonte de todo sistema educacional, da educação infantil à pós-graduação.

Protestos estudantis se espalharam por vários estados das regiões Sudeste e Nordeste durante a semana. Começou na Bahia, passou pelo Recife, foi para o Paraná, repicou em Niterói, chegou a Brasília e veio para o Rio de Janeiro. As manifestações de resistência aos atos de quebra de autonomia e asfixia financeira universitária tiraram o país do silêncio e do torpor em que se encontrava. Ao ocuparem ruas e praças os estudantes, acompanhados de pais e professores, defendem o legítimo direito de terem sua formação numa escola pública, impondo limites ao sectarismo ideológico bolsonariano.

Os gestos de desobediência romperam o cordão de medo em que encontra a sociedade, acuada com o avanço do autoritarismo, e soou como uma espécie de alarme, acordando os partidos de oposição. No Rio, gritando palavras de ordem como “não vai ter corte, vai ter luta”, centenas de alunos do Pedro II, dos colégios de aplicação da UERJ e UFRJ e institutos técnicos federais protestaram em frente ao Colégio Militar, na Tijuca. onde se encontrava Bolsonaro. O presidente saiu sob proteção da Polícia do Exército depois de anunciar que os colégios militares não sofrerão cortes de recursos.

Com seus 14 campi no Estado do Rio que recebem alunos do ensino médio e fundamental, o Pedro II não terá condições de funcionar com o corte de 36,73% em seu orçamento. Na mesma situação se encontra outra tradicional instituição federal, o Instituto Benjamin Constant, na Urca, que atende alunos deficientes visuais, em sua grande maioria pobres. Aulas já foram suspensas por atrasos nos salários de funcionários e professores.

Nestes quatro primeiros meses de gestão ficou claro que universidades, escolas e instituições de ensino constituem alvo prioritário do governo. É ali, onde se pensa, se discute, se ensina, se filosofa, onde a ciência nacional avança e o conhecimento é transmitido, que se encontram os inimigos do regime. Devemos deixar de lado esta bobagem de marxismo cultural. Trata-se de professores e alunos, mestres e doutorandos, gente perigosa que se reúne para estudar. Por isso é justamente em cima destas comunidades que os aviões pilotados por Bolsonaros, Weintraub, Witzel e outros profetas do ódio e do ressentimento despejam suas bombas. Hiroshima é aqui.

São porra-loucas, dirá o leitor, repetindo o que disse Lula em sua entrevista. Mas são malucos que estão destruindo o país e pondo em risco a democracia. Para a professora Angela Alonso, da Sociologia da USP e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, precisar o momento de inauguração de uma democracia é tão difícil quanto situar o ponto sem volta de sua desagregação. Estamos imersos num processo desta natureza cujo desenlace é imprevisível. O desmonte da estrutura educacional acelera o andamento da marcha fúnebre.

Em novo e furioso ataque sem aviso ou justificativa, o ministério da Educação fez cortes generalizados em bolsas de pesquisas de mestrado e doutorado oferecidas pela Capes nas áreas de humanas e ciências. As bolsas simplesmente sumiram do sistema. A UFF anunciou que corre risco de fechar com a consumação do corte de verbas. A Federal Fluminense é uma das três que o ministro Weintraub, aquele que confundiu em sabatina no Senado o escritor tcheco Kafka com o petisco árabe kafta, prometeu punir por promover balbúrdia. Outras universidades começaram a ter problemas reais decorrentes da asfixia financeira.

O protesto estudantil pode ser um ponto de inflexão para deslanchar reações paralelas em vários planos. A Rede Sustentabilidade entrou com mandado se segurança no STF pedindo a suspensão do bloqueio de verbas por sua irresponsável inconstitucionalidade. Partidos de oposição decidem organizar uma caravana que percorrerá o país em defesa da educação pública. Em momentos decisivos estudantes fizeram história como nas jornadas de maio de 68 na França. No mês seguinte, junho, o centro do Rio reuniu cem mil pessoas numa passeata de protesto contra a ditadura.

Neste maio de 2019, pela primeira vez alunos saíram de mãos dadas com suas mães e professores em manifestações para manter as escolas abertas com liberdade e livre circulação de ideias. Não é pedir muito. Quem frequenta o meio acadêmico sabe que lá convivem pessoas de esquerda e de direita. O que se espera é respeito às opiniões divergentes e garantia de liberdade de expressão. Sem o que a democracia se esfumaça.

*Jornalista e escritor