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Jovens voltam à cena e podem decidir eleição em S. Paulo

Confirmação da tendência de alta do voto da juventude na chapa Boulos e Erundina marcará uma guinada de rumos

JB -
Álvaro Caldas
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Ninguém sabe ao certo o que pensam, leem, tramam e sonham os jovens de hoje. Serão conservadores, rebeldes ou revolucionários, como costumam ser os jovens em suas respectivas épocas? Talvez, mas para atualizar a agenda, devemos acrescentar a presença de grupos identitários e dos ambientalistas, preocupados com o futuro do planeta. O que importa é que caberá a essa turma, situada na faixa entre os 16 e 24 anos, um papel decisivo na definição do pleito em São Paulo, no próximo domingo.

A confirmação da tendência de alta do voto da juventude na chapa Boulos e Erundina, do Psol, segundo a última pesquisa Datafolha a menos de uma semana do segundo turno, marcará uma guinada de rumos não só na eleição na capital paulista como na política nacional. Guilherme Boulos avançou sobre Bruno Covas no grupo dos mais jovens, atingindo quase o dobro das intenções de voto, vencendo com folga também nos grupos imediatamente acima. Entre os mais velhos, na faixa de 45 a 59 anos, Covas lidera. Este cenário projeta que o eleitor jovem volta a marcar presença na vida política.

Neste país convulsionado pela pandemia da covid 19, arrastado por um governo irresponsável, inepto e criminoso, que ameaça mulheres, negros índios, jovens e gays, não é tarefa simples qualificar os jovens. Mas é estupidez ignorá-los. Na falta de uma pesquisa ou um estudo acadêmico, melhor buscar entendê-los numa moldura romanesca com o apoio da literatura, que também conta histórias. Certamente que eles não estão pensando em fazer uma revolução social, muito menos sentados numa cadeira de balanço lendo Machado, Clarice ou Proust, ouvindo Jobim e Vinicius ou a banda de rock dos Beatles.

Dizem os adultos que os jovens são instáveis, imprevisíveis, arredios, rebeldes, egoístas. Eles se acham incompreendidos e consideram tolos os adultos que os julgam. Houve uma época, na década de 70, em que era possível flagrá-los amontoados dentro de um jipe, seguindo pela orla ensolarada e azul a caminho da praia Grande, em Arraial do Cabo, cantando “Nada melhor do que não fazer nada”, da Rita Lee. Moças e rapazes num momento de efusão e transgressão, fumando um baseado num veículo cheio de engradados de cerveja. Cena, talvez, de um romance imaginário de Carlos Heitor Cony.

Ninguém sabe ao certo o que eles tramam e sonham. Antes, em 1964, enfrentaram o golpe. Tanques militares desfilaram pelas ruas suspendendo um dos momentos mais bonitos e transformadores da sociedade brasileira. Havia liberdade de criação artística e avanços sociais. A festa acabou, os sonhos foram soterrados. Restaram aos jovens três caminhos. A resistência e o confronto de arma na mão, mesmo não sabendo usá-la. A trilha sonora do desbunde, caindo na estrada com sexo, drogas, e roquenrol. Ou, para os que podiam, a continuação dos estudos no exterior, com um doutorado na Universidade de Chicago.

Mas a memória me leva mais longe e me reencontro com um dos mais famosos desses jovens rebeldes. Um estudante de 17 anos, Holden Caufield, branco, de família de classe média alta. Ele acaba de receber a notícia de que se ferrou em quase todas as matérias no internato em que estuda, em Nova York. Com medo de voltar para casa e enfrentar a ira dos pais, decide flanar sem rumo ruminando sua revolta enquanto procura um caminho para seu futuro. Para tentar entender sua loucura momentânea, busca pesso-as de confiança, entre elas um antigo professor, uma ex-namorada e sua irmãzinha.

Não há nenhuma tragédia em sua história, narrada de uma maneira veloz e sintonizada com a realidade de seu tempo. Neste ato de contestação que dura uma semana, começa a aventura de um adolescente amedrontado e iracundo que irá se transformar num dos livros mais lidos da história. O apanhador no campo de centeio, do escritor americano J.D. Salinger. Nestes 70 anos desde sua publicação, em 1951, mais de 70 milhões de cópias foram vendidas.

O livro influenciou sucessivas gerações de leitores. Qual o mistério da novela de Salinger? Primeiro, o talento incomum do escritor, ele mesmo uma pessoa misteriosa e reclusa. Depois, o impacto causado pelo livro no comportamento da juventude americana. Um adolescente lutando para ver reconhecida sua própria visão e sentimento do mundo. O jovem Holden, um chutador de tampinhas de garrafa num imaginário campo de centeio, se vê transformado numa espécie de lenda, precursor de James Dean, o mito da juventude rebelde.

Ninguém sabe ao certo onde andam e se escondem os jovens de hoje, se gostam de cozinhar ou ver séries na TV. O youtuber Felipe Neto, com 32 anos e 40 milhões de seguidores no Youtube, manifestou seu apoio a Boulos. Numa live com o candidato, que tem 38 anos, disputou com ele um jogo eletrônico que virou febre entre a juventude. Boulos está antenado nas redes sociais e isto faz diferença. Para Felipe, uma dos motivos que levam os jovens, em geral contestadores, a abraçar o sistema e a velha política, é que se tornaram alvos prioritários da propaganda dirigida por radicais da direita. Descobriram como chegar a eles com piadas e memes, dando-lhes acolhimento. O jovem se identifica como um transgressor, mas está ao lado dos opressores.

Diz minha neta universitária, na faixa etária dos eleitores de Boulos, que sua geração tem medo do que virá, sente a incerteza de um futuro sombrio. Vivem um momento de insegurança diante de todas as aberrações bolsonaristas. Para se fortalecer, passam a maior parte do tempo juntos, ou em contatos pelas redes pessoais. Os amigos transmitem segurança e afeto, por isso estão sempre ligados. Apostam em Boulos como um candidato que os representa, assim como no Rio votariam com fervor em Marcelo Freixo, se ele tivesse saído candidato.

Seria importante para o fortalecimento da democracia que os jovens recuperassem nesta eleição a parte do protagonismo que lhes cabe na História.

*Jornalista e escritor